O arquétipo divino de todos os ternários positivos é a trindade vedantina Sat, Chit e Ananda: a partir de sua Essência superontológica Deus é puro “Ser”, puro “Espírito”, pura “Felicidade”.
Como o binário, o ternário apresenta dois aspectos diferentes, dependendo da posição do triângulo, geometricamente falando. No triângulo reto, a dualidade da base é contemplativa, no sentido de que evidencia, pelo ápice, uma inclinação para a unidade. Assim, o ternário é a relatividade que pretende conformar-se à absolutez e recusa afastar-se; ela termina o movimento em direção ao múltiplo. No triângulo inverso, a dualidade é operativa, no sentido de que tende, pelo ápice inverso, à resplandecência extrínseca ou à produção.
Isto quer dizer que o elemento Ananda ou constitui a resplandecência interna e intrínseca de Atma, que nada mais deseja — se assim podemos dizer —, senão o gozo de sua própria Possibilidade infinita, ou então, pelo contrário, tende à manifestação — e a refração inumerável — dessa Possibilidade agora excessiva. Assim, no amor sexual, a finalidade ou o resultado pode ser exterior e quase social, isto é, o filho. Mas também pode ser interior e contemplativo, ou seja, a realização — justamente por intermédio deste simbolismo vivido — da Essência una na qual se juntam os dois parceiros, o que constitui um nascimento para o alto e uma reabsorção na Substância. Neste caso, o resultado é a essencialidade, ao passo que, no caso precedente, é a perfeição. Isto quer dizer que as dimensões de absolutez e de infinidade, por um lado, dependem da Essência que as une e, por outro, produzem a perfeição que as manifesta.
Mas há ainda um outro tipo de ternário, cujo exemplo mais imediato é a hierarquia dos elementos constitutivos do microcosmo, corpus, anima, spiritus, ou soma, psyche, pneuma. O ternário vedantino das qualidades cósmicas, tamas, rajas, sattwa, pertence à mesma ordem. Esse ternário não se incorpora na união de dois polos complementares, tendo em vista um terceiro elemento, superior ou inferior, interno ou externo, mas nos aspectos qualitativos do espaço medido a partir de uma consciência que aí se encontra localizada: dimensão ascendente ou leveza, dimensão descendente ou peso, dimensão horizontal disponível para as duas influências.
O próprio ternário que havíamos focalizado anteriormente — o de Sat-Chit-Ananda — também tem um fundamento espacial, mas puramente objetivo: são as três dimensões do espaço: altura, largura e profundidade. A primeira corresponde ao princípio masculino, a segunda, ao princípio feminino e a terceira, ao fruto, que é intrínseco ou extrínseco; esta última distinção é expressa justamente pela posição do triângulo. Aliás, o novo ternário que focalizamos aqui — corpo, alma, espírito, ou obscuridade, calor, luz — também se encontra no triângulo e de duas maneiras bem instrutivas. Quanto à primeira, o espírito localiza-se no ápice e, então, a imagem exprime a transcendência do Intelecto em relação à alma sensível e ao corpo que, neste caso, são colocados no mesmo plano, todavia com a diferença de que a alma se situa à direita, lado positivo ou ativo. Quanto à segunda, o corpo situa-se no ápice inverso; então, a imagem exprime a superioridade da alma e do espírito em relação ao corpo.
E isso indica dois aspectos do ternário divino correspondente. Num sentido, o mundo é o “Corpo” de Deus, sendo sua “Alma” o Ser, na qualidade de matriz dos arquétipos, e seu “Espírito”, a Essência. Num outro sentido — e vamos, então, de encontro ao rigor vedantino —, a Essência ou o Superser é o “Espírito” de Deus, ao passo que a subordinação de Maya ou da Relatividade se encontra expressa pela justaposição do Ser e da Existência na base do triângulo, portanto, da “Alma” e do “Corpo”.
Mas voltemos ao ternário Sat-Chit-Ananda representado pelo triângulo, o ápice indicando Sat e os dois ângulos inferiores indicando, respectivamente, Chit e Ananda: pela inversão do triângulo, o ápice, que é Ser e Poder resplandecentes no triângulo reto, torna-se poder que distancia e que concentra, mas, enfim, oposto, no triângulo invertido. E a imagem da queda de Lúcifer, em que o ponto mais elevado se torna o ponto mais baixo, imagem que explica a relação misteriosa e paradoxal entre o Ser poderoso, mas imutável, e o poder manifestante que se afasta do Ser até finalmente se levantar contra ele. O poder cosmogônico positivo e inocente chega a este ponto de queda que é a matéria, ao passo que o poder centrífugo, oposto, chega ao mal. São dois aspectos que não devemos confundir.
Existe uma imagem particularmente concreta do ternário vedantino, o sol. O astro solar, como todas as estrelas fixas, é matéria, forma e resplandecência. A matéria, ou a massa-energia, revela Sat, o Ser-Poder; a forma equivale a Chit, a Consciência ou a Inteligência; a resplandecência corresponde a Ananda, a Bem-aventurança ou a Bondade. Aliás, a resplandecência comporta o calor e a luz, assim como Ananda participa simultaneamente de Sat e de Chit, o calor correspondendo à Bondade e a luz, à Beleza. A luz transporta para longe a imagem do sol, assim como a Beleza transmite a Verdade; “a Beleza é o esplendor da Verdade”. Segundo um simbolismo um tanto diferente e não menos plausível, o sol se apresenta à experiência humana como forma, luz e calor: Sat, Chit e Ananda. Neste caso, a substância se une à forma que revela o Poder fundamental, ao passo que a luz manifesta a Inteligência e o calor, a Bondade.
Quanto ao reflexo do ternário hipostático no microcosmo humano, diremos que o Intelecto, que é o “olho do coração” ou o órgão do conhecimento direto, se projeta na alma individual, limitando-se e polarizando-se. Manifesta-se, então, sob triplo aspecto ou, se preferirmos, cinde-se em três formas, ou seja, a inteligência, a vontade e o sentimento. Isto significa que o próprio Intelecto é simultaneamente cognitivo, volitivo e afetivo, no sentido de que comporta três dimensões que se referem, respectivamente, ao “Conhecimento” (Chit), ao “Ser” (Sat) e à “Bem-aventurança” (Ananda) do Princípio (Atma).
A inteligência gera a compreensão de Deus, do mundo, do homem; o sujeito conhecedor é inteiramente determinado pelo objeto conhecido ou a conhecer; Deus aparece a priori do ponto de vista da transcendência. Espiritualmente falando, a vontade, por sua vez, realiza o movimento em direção a Deus, portanto, sobre tudo a concentração contemplativa, na base das condições exigidas, bem entendido. Aqui, é o sujeito que predomina, o que aliás resulta do fato de Deus ser praticamente focalizado, pela força das coisas, do ponto de vista da imanência. No terceiro caso, a alma, o homem não se reduz nem ao objeto conhecido nem ao sujeito realizador, pois aíestá o plano da confrontação do homem com Deus. Consequentemente, é o plano da devoção e da fé, e do dialogo humanamente divino — ou divinamente humano — entre a pessoa e o seu criador.
Convém especificar aqui que, no conhecimento, o sujeito desaparece diante do objeto: se este é positivo, absorve por assim dizer o sujeito, eliminando-o; mas, caso seja negativo, a extinção do sujeito simplesmente significa rigor de percepção. Em compensação, na concentração contemplativa e realizadora que, do ponto de vista da realização imediata, depende da vontade, o sujeito humano encontra-se unitivamente absorvido pelo Sujeito divino, o que evidentemente implica ao mesmo tempo uma extinção em relação a este último.
O símbolo natural da trindade é a tridimensionalidade do espaço: interpretadas em conexão com o microcosmo humano, a altura evoca a inteligência; a largura, o sentimento; e a profundidade, a vontade. Pois a inteligência tende para o alto, para o essencial e o transcendente; quando pervertida pelo erro, ela cai, contradizendo sua própria natureza. O sentimento somos nós mesmos em nossa totalidade existencial, hic et nunc, o que exprime a largura, com uma diferença qualitativa entre a direita e a esquerda. Em outras palavras, o sentimento, no sentido completo e profundo que aqui temos em vista, representa a pessoa humana e a possibilidade de escolher seu destino. Quanto à vontade, adianta-se como o nosso andar: ela avança para o futuro, assim como o nosso andar avança no espaço, a menos que não recue opondo-se à sua própria vocação espiritual e escatológica. Nos dois casos, há referência à dimensão de profundidade.