Shayegan (DSHC) – Quatro climas na trajetória espiritual de Corbin

(…) Os quatro climas do ser que identificamos na trajetória espiritual de Corbin são os seguintes: 1) do ciclo da Profecia ao ciclo da Iniciação; 2) da metafísica das essências à teosofia da Presença; 3) da exposição doutrinária às narrativas visionárias; 4) do amor humano ao amor divino. Esses quatro itinerários são articulados a partir do foco radiante do mundus imaginalis. A passagem que eles implicam é realizada nesse nível; pois eles são, cada um a seu modo, a reversão de um estado para outro, consequentemente um ta’wîl e uma quebra de nível. A descida da Letra (tanzil) da revelação é acompanhada por um retorno ao significado original (ta’wil) do ciclo de iniciação; as essências que caracterizam todo o ser são substituídas pela presença do ato de ser como testemunha; a narração da história é acompanhada pelo desabrochar de um evento que é a história da própria alma; e o amor humano é substituído pela transfiguração do amor divino. Quer se trate de um retorno ao significado original, da presença do ato de ser como testemunha, da internalização da narrativa como um evento da alma ou da transfiguração provocada pelo amor divino, cada vez isso envolve uma conversão e uma metamorfose interna do Sujeito; todas as coisas que ocorrem e têm “seu lugar” no mundo intermediário do Imaginal. Consequentemente, quatro modos de expressão emergem em relação a cada uma das quatro dimensões: o modo profético (filosofia profética), o modo ontológico, o modo narrativo e o modo erótico-místico ou, se preferir, quatro jornadas místicas por meio da fé, do intelecto, da imaginação e da afetividade do coração. Como nenhum desses modos tem precedência sobre o outro, e cada um deles pode ser convertido no outro em virtude das estruturas homólogas que os governam, a passagem feita é, a cada vez, um ta’wîl, uma experiência mística, ou seja, uma individuação na qual o Guia interior é tipificado em cada caso em uma forma que se conforma ao modo de expressão que o caracteriza: Seja o Imâm do crente xiita, o agente da Inteligência do filósofo, o Anjo do visionário e o Amado do devoto amoroso. Esses quatro itinerários são, portanto, semelhantes aos quatro becos que se abrem a partir do pavilhão central da transfiguração do olhar. Juntos, eles formam a Imago mundi, ou, se preferir, a forma de uma mandala.

Eles também simbolizam as múltiplas exemplificações do mesmo arquétipo (guia interior), que aparece ora como o Anjo (ou as figuras concretas associadas a ele), ora como a Inteligência que ilumina a visão filosófica, ora como a Sofia da religião do amor e ora como o Imâm no ciclo da iniciação espiritual. O arquétipo do Guia Interior está, no entanto, ligado à função teofânica do Anjo, pois, em virtude da mediação que ele realiza entre o Um e os muitos, ele torna possível o fenômeno da conjunção ou, se preferir, da simpatia entre o homem e o divino. Sem essa mediação, que pressupõe o Anjo e o mundo da imaginação no qual ele emerge, o hiato na escala do Ser jamais poderia ser evitado, e o monoteísmo pereceria, levando à “idolatria metafísica”, ou seja, à redução do Um aos muitos, ou ao monoteísmo abstrato, que é o desvanecimento da multiplicidade no Um incondicionado. Consequentemente, a teofania do Anjo salva o fenômeno, tornando-o transparente no espaço imaginário do encontro. Dessa forma, as exemplificações do mesmo arquétipo não apenas determinam a natureza e o modo de conhecimento, mas também formam a base de sua própria antropologia e um modo específico de revelação. Se, no nível da filosofia profética, o Guia interno for o Arcanjo Gabriel para o profeta e o Imâm para o místico xiita, os tipos antropológicos que os representam serão, respectivamente, o profeta Maomé (o Selo da Profecia) e sua contraparte escatológica, o décimo segundo Imâm (Selo do ciclo de Iniciação). Os modos de conhecimento relacionados a cada uma dessas duas funções proféticas serão ou a revelação (wahy) e a descida da Palavra (tanzîl) para o profeta legislador, ou a Inspiração (ilhâm) e o retorno da Palavra à sua Fonte (ta’wîl) para o Imâm em geral. O arquétipo do Guia Interior escapa às leis da causalidade histórica porque, como acabamos de ver, ele simboliza o princípio do Self ou da individuação mística. Toda a história ou hagiografia do décimo segundo Imâm, por exemplo, ocorre em um mundo paralelo. O mundo do Anjo ou Imâm permanece entre os mundos, assim como seu tempo está entre os tempos.

Daryush Shayegan, Henry Corbin (1903-1978)