Skora (KMSAG:1-2) – vimarśa

Há mil anos, na terra de montanhas, vales, riachos e cavernas da Caxemira, floresceu o visionário criativo Abhinavagupta (c. 975-1025 e.c.; doravante AG). Neste estudo, recuperarei os significados de um termo especial e incomum que serviu como pivô da teologia, cosmologia e soteriologia de AG, um termo que ele chama de “ser/estar-ciente reflexivo” (vimarśa). Esse é um termo que aplicou à realidade suprema, abstratamente concebida por AG como sendo a Consciência pura. É também um termo que usou de forma mais concreta, conforme descobriu e imaginou a realidade última como sendo o deus Śiva em união sexual perpétua com a deusa Śakti. Nessa imagem, a deusa Śakti passou a ser identificada com esse mesmo aspecto da consciência conhecido como “ser/estar-ciente reflexivo”. Em sua teologia, AG foi capaz de iluminar a consciência pura e, ao mesmo tempo, evocar sua incorporação divina.

Para AG, a Consciência é consciente da Consciência, exibindo uma capacidade notável denominada “ser/estar-ciente reflexivo”. Expressado dessa forma, o termo parece, a princípio, ser uma noção muito abstrata, aparentemente referindo-se ao que está separado da existência concreta e incorporada. Entretanto, a visão de AG era mais sensual. Nesta tese, recuperarei esses significados sensuais que flutuam logo abaixo da superfície.

Uma dica muito sugestiva da riqueza do termo vimarśa é fornecida por seu significado literal, “tocar de volta”, no sentido de tocar a si mesmo. Para AG, também pode significar “tocar à frente”, no sentido de tocar outra pessoa e, portanto, “tocar à frente e de volta” no sentido de dois corpos se tocando reciprocamente. Todas essas várias conotações referem-se à experiência incorporada. Nesta tese, mostrarei que vimarśa, de fato, só pode ser entendido com referência a essa experiência corporificada e, em particular, à experiência corporificada da união sexual. De modo significativo, AG também aplicou o termoser/estar-ciente reflexivo” à consciência individual. Mais precisamente, AG usou o termoser/estar-ciente reflexivo” para se referir à experiência de se tornar liberado. Em uma terminologia abstrata, essa é a percepção de que a pessoa não é nada além de Consciência pura. No entanto, essa lembrança do Ser ocorre precisamente no corpo, pois é a lembrança de que a pessoa é idêntica a Śiva em união com Śakti, uma experiência “maravilhosa” e “bem-aventurada”, de acordo com AG, alcançada no desempenho da união sexual.