O coração é assimilado ao Sol, e o cérebro, à Lua. O Sol e a Lua, ou melhor, os princípios cósmicos representados por esses dois astros, são com frequência figurados como complementares, e o são de fato sob um certo ponto de vista; fica então estabelecido entre eles uma espécie de paralelismo ou simetria, cujos exemplos são encontrados facilmente em todas as tradições. É assim que o hermetismo faz do Sol e da Lua (ou de seus equivalentes alquímicos, o ouro e a prata) a imagem dos princípios ativo e passivo, ou masculino e feminino segundo um outro modo de expressão, que são de fato os dois termos de um verdadeiro complementarismo. Além disso, se considerarmos as aparências do nosso mundo, o que é legítimo fazer, o Sol e a Lua têm na verdade funções comparáveis e simétricas, sendo, de acordo com a expressão bíblica, “os dois grandes luzeiros: um governa o dia e o outro governa a noite” (Gênesis, 1, 16); são também designados, em certas línguas extremo-orientais (chinês, anamita, malaio), por termos igualmente simétricos, que significam “olho do dia” e “olho da noite”. No entanto, se formos além das aparências, não mais será possível manter esse tipo de equivalência, pois o Sol é por si mesmo uma fonte de luz, enquanto que a Lua apenas reflete a luz que recebe do Sol (v. receptividade). A luz lunar é na realidade o reflexo da luz solar, o que nos permitiria dizer que a Lua, enquanto “luzeiro”, só existe por causa do Sol.
O que é verdade para o Sol e para a Lua vale também para o coração e o cérebro, ou, melhor dizendo, para as faculdades às quais esses dois órgãos correspondem e que são por eles simbolizadas, isto é, a inteligência intuitiva e a inteligência discursiva ou racional. […]
A luz é o símbolo mais habitual do conhecimento; é natural portanto representar pela luz solar o conhecimento direto, isto é, intuitivo, próprio do puro intelecto, e pela luz lunar o conhecimento refletido, isto é, discursivo, próprio da razão. Do mesmo modo que a Lua não pode produzir sua luz a menos que seja iluminada pelo Sol, assim também a razão não pode funcionar de maneira válida na ordem de realidade que está no seu domínio, a menos que esteja sob a garantia de princípios que a iluminam e a dirigem, e por ela recebidos do intelecto superior. Existe a esse respeito um equívoco que é necessário dissipar: os filósofos modernos enganam-se estranhamente ao falar desses princípios como se pertencessem com exclusividade à razão, como se fossem de algum modo obra sua, quando, ao contrário, para governá-la, é preciso necessariamente que se imponham a ela, portanto que venham de um nível mais alto. Aí está um exemplo do erro racionalista e que nos permite perceber a diferença essencial existente entre o racionalismo e o verdadeiro intelectualismo. Basta refletir um instante para compreender que um princípio, no verdadeiro sentido da palavra, e na medida em que não pode ser extraído ou deduzido de outra coisa, só é penetrável de forma imediata, portanto intuitivamente, e não poderia ser objeto de um conhecimento discursivo como o que caracteriza a razão. E para nos servirmos da terminologia escolástica, diríamos que o intelecto puro é habitus principiorum enquanto que a razão é apenas habitus conclusionum. [Guénon]