Távola Redonda

René Guénon

OS SÍMBOLOS DA CIÊNCIA SAGRADA

A Távola Redonda estava destinada a receber o Graal quando um dos cavaleiros conseguisse conquistá-lo e trazê-lo da Grã-Bretanha à Armórica.

Essa távola, ou mesa, é também um símbolo provavelmente muito antigo, um dentre os que foram associados à ideia dos centros espirituais a que nos referimos acima. A forma circular da mesa, aliás, está ligada ao “ciclo zodiacal” (outro símbolo que mereceria um estudo especial, pela presença de doze personagens principais ao seu redor, particularidade esta que se encontra na constituição de todos os centros de que estamos falando. Assim sendo, não poderíamos ver no número dos doze Apóstolos um sinal, entre tantos outros, da perfeita conformidade do cristianismo com a tradição primordial, à qual o nome de “pré-cristianismo” conviria tão exatamente? Em outra ocasião, a propósito da Távola Redonda, observamos uma estranha concordância com as revelações simbólicas feitas a Marie des Vallées, nas quais se menciona “uma mesa redonda de jaspe, que representa o Coração de Nosso Senhor”, ao mesmo tempo em que se trata de “um jardim que é o Santo Sacramento do altar”, e que, com suas “quatro fontes de água viva”, identifica-se misteriosamente com o Paraíso Terrestre. Não está aí de novo uma confirmação bastante surpreendente e inesperada das relações que indicamos acima? [Guénon]

Maria Gabriela Buescu

Perceval e Galaaz, cavaleiros do Graal

Embora a designação de Mesa Redonda traduza de modo legítimo as expressões Round Table e Table Ronde, o fato é que a designação Távola Redonda tem, na tradição literária portuguesa, uma recorrência que nos parece significativa. Note-se, por exemplo, a produção, já em 1567, de um texto português intitulado Memorial das Proezas da Segunda Távola Redonda. A oposição Mesa/Távola tem, decerto, um valor conotativo, já que Mesa remete para um quotidiano, prosaico e profano, não compatível, segundo julgamos, com a conotação cavaleiresca e até mística do termo Távola.

É, pois, o tema da Távola Redonda que vem associar-se à lenda arturiana tal como, a partir do século XII, ela irá desenvolver-se e difundir-se. Segundo Legouis e Cazamian, tese que nos parece muito verosímil, teria sido um simples e desconhecido trovador, Geoffrey Gaimar, quem teria adaptado pela primeira vez em verso francês a história de Monmouth. Teria sido ele a dar a primeira sugestão para a convergência do tema da Távola Redonda associado à lenda arturiana, ao contrário do que Bruneti e outros arturianis-tas afirmam, ao atribuir essa primeira referência ao poeta normando Wace.

De fato, em 1155 Wace, um clérigo de Jersey, produziu uma «tradução» da Historia de Geoffrey of Monmouth, o Roman de Brut. Contudo, essa tradução (ou adaptação) havia sido precedida, por volta de 1140, por uma primeira tentativa de associação dos dois temas, atribuída a Geoffrey Gaimar e infelizmente perdida. Essa adaptação fora empreendida a pedido de Constância, mulher de Ralph Fitz Gilbert e só mais tarde, na década seguinte, a versão de Gaimar, ao que parece, teria sido substituída pelo célebre Roman de Brut de Wace, dedicado à nova rainha de Inglaterra, Leonor da Aquitânia. Segundo Foulon, esta substituição seria devida à superioridade qualitativa do poema de Wace em relação ao texto de Gaimar, que não passava de um medíocre e desconhecido trovador. De resto, também Jean Marx se refere a este elo pouco conhecido na articulação da temática arturiana, reconhecendo que, de fato, não foi Wace a estabelecer a «ponte» entre a lenda arturiana propriamente dita e a Távola Redonda, que se lhe torna indissociável.

Nem por isso, no entanto, o mérito de Wace esmorece: a ele se deve, mercê da vivacidade testemunhal que imprime aos seus relatos, coloridos de pitoresco, por vezes anacrónico, a grande fortuna da sua obra e a sua enorme descendência literária.

O tema da Távola Redonda tende, assim, a instituir-se como um dos mais significativos instrumentos ideológicos da Cavalaria, isto é, a igualdade de tratamento entre os Cavaleiros, como «pares», e a obliteração das regras de precedência. A ideia de Wace sugere, como inspiração, a forma redonda, atribuída no seu tempo à Mesa da Última Ceia, ainda que a iconografia medieval posterior venha a representá-la como retangular. Por outro lado, segundo a tradição celta, a forma redonda, como demarcação sacralizada, é uma forma privilegiada, sabendo-se que os chefes celtas usavam, mesas redondas nos banquetes, e as próprias casas das citânias apresentam uma forma circular. Aliás, parece-nos também significativo que, como réplica da Mesa da Última Ceia, o número dos Cavaleiros — doze — corresponda ao número dos Apóstolos, também doze: a progressiva cristianização da ou das lendas que convergem para a cristalização definitiva, de que a Demanda portuguesa é um dos documentos, faz também parte da trajetória graálica, já presente, aliás, no Perceval ou Li Contes dou Graal de Chrétien de Troyes. De resto, a forma circular parece, por outro lado, testemunhar a origem céltica deste módulo constitutivo da «massa ficcional» (segundo expressão de Loomis) da «Matéria da Bretanha». A Távola Redonda torna-se, de certo modo, como que a representação metonímica da Idade do Ouro da Cavalaria, dos seus ideais, regras e mandamentos: entre 1344 e 1348, Eduardo III de Inglaterra instituiu a Ordem da Jarreteira (Garter no original) como revivalismo do espírito da Távola Redonda. Por essa mesma época, algumas décadas mais tarde, e segundo o testemunho de Fernão Lopes, também em Portugal esse espírito está presente no significativo episódio que, pelo seu pitoresco, nos parece relevante transcrever, sem esquecer quanto o seu protagonista, D. João I, estava profundamente ligado à Inglaterra e aos seus estilos e modelos de comportamento.

Graal