Tempo Hierofânico

TEMPO HIEROFÂNICO
Excertos da tradução em português de Dimas David Santos Silva, do livro de Steven Wasserstrom, Religion after Religion

Henry Corbin, por seu lado, propôs uma teoria de tempo especificamente esotérica, “descontínua, qualitativa, pura, o tempo da psique”. A descontinuidade absoluta do tempo significa, para o filósofo profético (como Corbin se autodesignava) que as coisas não têm efeito sobre o acontecimento de outras.

A ideia básica é a seguinte: os estados visíveis, aparentes, externalizados, em suma, os fenômenos, nunca podem ser causa de outros fenômenos. O agente é invisível, é o imaterial. A compaixão age e é determinante, provoca a existência das coisas e faz com que elas se tomem genuínas, pois trata-se de um estado espiritual, e seu modo de agir não tem nada a ver com o que chamamos de causalidade física; ao contrário, como seu próprio nome indica, seu modo de ação é sympatheia.

O encontro com a teofania, com a realidade transfigurada, altera completamente o sentido do tempo, levando “… à ideia da tradição de linha vertical, longitudinal, do Céu para a Terra, uma tradição de momentos independentes da causalidade de um tempo físico contínuo”. Para Corbin, existem dois tipos de tempo: um tempo vivenciado da psique e um tempo abstrato da psique, um em sucessão e o outro simultâneo. A única ‘causalidade histórica’ está nas relações entre a vontade e o agente. A história é composta de “conexões sem causa”.

Se a sucessão cronológica não é suficiente para nos dar o conhecimento de uma filiação histórica causai entre tais recorrências, pelo menos podemos ver surgir entre elas a continuidade do “tempo hierofânico”, que não corresponde à história concreta das seitas e escolas relacionadas à gnose, mas sim à presença cíclica de seu arquétipo, de sua participação em comum de uma mesma dramaturgia cósmica.

Para este conceito do ‘tempo hierofânico’, Corbin citou Os Padrões nas Religiões Comparadas, de Eliade, cuja versão em francês havia sido editada pouco antes. Em outra obra, Corbin serviu-se de Eliade para estabelecer a base meta-histórica para sua hermenêutica naquilo que, tomando emprestado de E. Souriau, ele chamou de ‘alicerces da vontade’:

O que verdadeiramente confere um significado é o novo fato histórico, o alicerce da vontade que trouxe o florescimento quando antes só havia a possibilidade, o estar no presente, no aqui e no agora… Como um ato pessoal, este ‘alicerce filosófico’ é uma testemunha inequívoca do significado em ação de um motivo e leva à possibilidade do passado ser verdade no presente. Trata-se, essencialmente, da hermenêutica — ao entendê-la o intérprete implicitamente assume a responsabilidade por aquilo que compreende. Trata-se também daquilo que Mircea Eliade cita como ‘avaliação de hierofanias’.

Perenialistas – Referências