Simpatia x Proportio
A prática teúrgica apresenta-se como ação a distância e a ação a distância é possível porque o cosmo inteiro, em sua fundamental e divina unidade, rege-se sobre uma ininterrupta ligação entre os seres: a simpatia universal. E a simpatia universal manifesta-se por meio de relações de semelhança.
Simpatia universal significa que existem correspondências, harmonias, relações de proporcionalidade entre macrocosmo e microcosmo. Uma ideia que já encontramos no platonismo da escola de Chartres, e não por acaso, pois a fonte dos chartrenses e a da tradição hermética é sempre a mesma, o Timeu platônico. Mas o quadro metafísico mudou. A relação macro-microcosmo dos medievais era tal porque Deus havia querido o homem e o mundo a sua imagem e semelhança. No neoplatonismo renascentista a relação existe por necessidade, pelas mesmas razões que necessariamente Deus infunde-se no mundo.
Portanto, mesmo que seja fácil encontrar na doutrina da simpatia universal uma retomada do conceito medieval de alegorismo universal, reto e controlado por critérios também medievais de proporção ou harmonia cósmica, é necessário, no entanto, lançar luz sobre as diferenças, já radicais, entre os dois universos culturais. E uma das diferenças fundamentais aparece precisamente no conceito de semelhança — signo da relação de simpatia -, que toma forma na doutrina dos indícios.
Na origem da doutrina renascentista dos indícios está a convicção de que as coisas ceiam virtudes ocultas. A Idade Média não excluía absolutamente estas virtudes; aliás, elas dependiam diretamente das formas substanciais e das diferenças essenciais, que ignoramos e que só podemos conhecer através das diferenças acidentais (v., por exemplo, Santo Tomás no De ente et essentia VI). O que, todavia, Santo Tomás não poderia aceitar é que sobre estas qualidades ocultas se pudesse agir por meio de uma arte qualquer — pois, como se apurou a propósito da ontologia da forma artística, a arte modifica apenas terminações superficiais e age sempre sobre uma matéria imodificável entregue ao artista pela natureza.
Pelo contrário, é precisamente a natureza que o Renascimento considera modificável através da arte. Os únicos que na Idade Média podiam concordar com esta hipótese, e que o faziam, eram os alquimistas, mas eles representavam, na cultura medieval, um veio subterrâneo, marginal e marginalizado.
De maneira radicalmente oposta se comportará o mago do Renascimento. As virtudes ocultas, que, dirigidas, podem modificar magicamente o curso da natureza, são cognoscíveis porque as relações entre elas e as entidades celestes que lhes fornecem tais virtudes são expressas pelos indícios, ou seja, pelas semelhanças entre as coisas e os aspectos formais dos astros.
Para tornar perceptível a simpatia entre as coisas, Deus imprimiu em cada objeto do mundo, como um selo, um traço que torna reconhecível sua relação de simpatia com alguma outra coisa.
Para Paracelso, o signatum é uma certa atividade vital orgânica que dá a todo o objeto natural (diferentemente dos objetos feitos artificialmente) uma certa semelhança com uma certa condição produzida pela doença, e através da qual pode ser restaurada a saúde nas doenças específicas e na parte adoecida. A ars signata ensina, além disso, como se deve atribuir a todas as coisas os nomes verdadeiros e genuínos, que Adão, o Proto-plasto, conheceu de maneira completa e perfeita; e quase sempre esses nomes já exprimem a semelhança que institui a relação de simpatia entre os entes. Por exemplo, a erba ocularis é assim chamada porque é útil aos olhos doentes e machucados. A raiz sanguinária tem esse nome porque, mais do que qualquer outra raiz, estanca a hemorragia. O satyrion ou orchis é assim chamado porque tem a forma de testículos e sobre esta parte do corpo humano exerce poder (De naturarerum 1, 10).
Agripa talvez seja o autor que mais se estendeu sobre os indícios (que chama signaculá). Ele define, por exemplo, como solares o fogo e a chama, o sangue e o espírito vital, os sabores violentos, acres, fortes, temperados de doçura, o ouro, por sua cor e seu esplendor, e entre as pedras aquelas que imitam os raios do sol pela cintilação dourada, como a aetite, que cura a epilepsia e debela o veneno, e o olho-de-sol, semelhante a uma pupila radiante, que fortifica o cérebro e robustece a visão. Além do brilhante, que reluz nas trevas, preserva das infecções e dos vapores pestilentos. Entre as plantas, são solares todas aquelas que se viram para o sol, como o girassol, e que dobram ou fecham as folhas ao pôr-do-sol, para reabri-las na aurora, como o lótus, a peônia, a Celidônia, o limoeiro, o zimbro, a genciana, o ditamno, a verbena, que faz vaticinar e expulsa os demônios, o louro, a cidreira, a palmeira, o freixo, a hera, a videira e as plantas que protegem do raio e não temem os rigores invernais. São solares muitas drogas, a menta, a lavanda, a al-mécega, o açafrão, o bálsamo, o âmbar, o almíscar, o mel amarelo, a resina de aloés, o cravo, a canela, o cálamo aromático, a pimenta, o incenso, a manjerona e o rosmaninho. Entre os animais, são solares os corajosos e amantes da glória, como o leão, o crocodilo, o lince, o carneiro, a cabra, o touro (De occulta philosophia L, 23).
Para conhecer a força ou a propriedade de uma estrela é preciso remeter-se às coisas que a ela se referem e que recebem sua influência. Do mesmo modo que com o piche, com o enxofre e com o óleo, prepara-se a madeira que receberá a chama, empregando coisas conformes à operação e à estrela, um benefício especial se reverbera na matéria, justamente disposta por meio da alma do mundo.
Por isso os egípcios chamaram a natureza de “maga”, porque ela atrai os semelhantes por meio dos semelhantes (ibid. I, 37), e Hermes Trismegisto escreve que um côngruo demônio anima imediatamente uma imagem ou uma estátua bem composta de coisas.
Mas a correspondência hermética do signans ao signatum não é mais a dos medievais. Na Idade Média ela era pura analogia, um signo querido por Deus para que, através da natureza, pudéssemos entender os mistérios divinos. O fato de que a rosa do pseudo Alain de Lille fosse signo de nossa vida e de nosso estado terreno não queria absolutamente dizer que a rosa tivesse uma parentela efetiva com nosso nascimento ou com nossa morte. Sobretudo, com exceção dos bolsões marginais da prática mágica, ninguém na Idade Média pensava que, agindo sobre a rosa, pudesse se agir sobre nosso corpo — a não ser no sentido de que os alquimistas medievais, como Arnaldo de Villanova, sabiam que da destilação das ervas podiam-se extrair elixires benéficos a nossa saúde.
No novo universo hermético a simpatia é, entretanto, nexo propriamente dito: se duas coisas parecem semelhantes, agindo sobre uma se poderá agir sobre a outra, e até durante boa parte do século XVII médicos ilustres, fascinados pela ação a distância, como a manifestada nos fenômenos magnéticos, discutirão sobre o unguentum armarium, isto é, uma substância que, espalhada sobre a arma que feriu, pode contribuir para a cura da ferida. Com base na simpatia instaura-se um jogo, considerado efetivo, de metamorfoses e transmutações (princípio alquímico) e de ação a distância sobre as forças celestes (magia astral).