Ario (256-336)
Sem a pessoa de Ario e de sua doutrina, seria incompreensível grande parte da literatura cristã dos séculos III-V. Depois da literatura apócrifa e gnóstica dos séculos I e II, que provocou a reação dos primeiros escritos anti-heréticos (Irineu, Santo), surgem multidões de escritores e de seitas que serão objeto de estudo e de condenação por parte de teólogos e concílios (São Basílio, São Gregório de Nissa, São João Crisóstomo, Santo Atanásio). Quase todos eles têm Ario e sua doutrina como ponto de referência.
Oriundo da Líbia, Ario recebeu sua formação teológica em Antioquia e, desta cidade, passou para Alexandria, onde se ordenou diácono e mais tarde sacerdote. Encarregado da igreja de São Baucalis, próximo do ano 318 começou a provocar muitas discussões por causa de uma doutrina teológica própria, que ele apresentava em seus sermões como crença da Igreja. Sua doutrina foi denunciada rapidamente como contrária à tradição. Em um sínodo para o qual foram convocados todos os bispos do Egito, Ario foi condenado, sendo deposto juntamente com seus seguidores. Apesar de ter conquistado adeptos para sua causa, foi novamente condenado no Concílio de Niceia (325), do qual participaram mais de 300 bispos. Para cortar a heresia pela raiz, o Concílio formulou o célebre Símbolo Niceno (Símbolo dos apóstolos), e Ario foi expatriado para a Ilíria. O imperador Constantino mandou chamá-lo do exílio em 328. Posteriormente ordenou que fosse reconciliado oficialmente, mas Ario morreu repentinamente na véspera do dia marcado (336).
A doutrina teológica de Ario pode ser resumida nos pontos derivados do princípio geral sobre as relações entre Deus Pai e Deus Filho: que a divindade tem de ser necessariamente incriada, mas também inata. Deste princípio, deduz-se: a) que o Filho de Deus, o Logos, não podia ser verdadeiro Deus; b) que o Filho de Deus é a primeira de suas criaturas e, como todas as demais, foi criado do nada e não da substância divina; c) houve, portanto, um tempo em que o Filho de Deus não existia; d) é Filho de Deus, mas não no sentido próprio da palavra, e sim no sentido moral e se lhe atribue de forma imprópria o título de Deus; e) a filiação do Filho é somente uma adoção, da qual não resulta nenhuma participação real na divindade. Nenhuma semelhança verdadeira com Deus, que não pode ter nenhum semelhante; f) consequentemente, o Logos ocupa um lugar intermediário entre Deus e o universo. Deus o criou para que fosse o instrumento da criação. Interpreta a encarnação no sentido de que o Logos se fez carne em Jesus Cristo, cumprindo a função da alma.
A doutrina de Ario atacava na raiz a própria natureza do cristianismo, ao atribuir a redenção a um Deus que não era verdadeiro Deus, incapaz, assim, de redimir a humanidade. Consequentemente, a Virgem Maria não era, segundo ele, a verdadeira Mãe de Deus. A fé cristã ficava despojada de seu caráter essencial.
A doutrina de Ario é um produto típico do racionalismo teológico próprio da escola de Antioquia e foi exposta por ele em conversas e contatos com companheiros de estudo e, inclusive, bispos. Valeu-se principalmente da pregação, já que sua obra escrita não é abundante. Os escritos de Ario reduzem-se a três: Carta a Eusébio de Nicomédia, condiscípulo e seu protetor; Carta a Alexandre de Alexandria, que o condenou; e, finalmente, o Banquete ou Thalia, — obra escrita em versos da qual somente conservamos fragmentos. Depois de sua condenação em Niceia, escreveu outra Carta ao imperador Constantino, contendo um credo com o qual pretendia comprovar sua ortodoxia.
Ario é o herege mais importante e mais sério do cristianismo no séc. IV. Assim o consideraram a Igreja e os escritores posteriores. Toda a teologia posterior está marcada por sua heresia, que negava a originalidade essencial do cristianismo. E continua sendo até hoje quando o mistério de Cristo Filho de Deus é negado ou omitido.
BIBLIOGRAFIA: J. Quasten, Patrología, II, 10-16, com a bibliografia aí citada. (Santidrián)