cabeça de ângulo

A forma da “pedra angular” é de fato um ponto de particular importância, pois essa pedra tem uma forma especial e única, que a diferencia de todas as outras, e também porque não só não encontra seu lugar no transcurso da construção, como que ainda os próprios construtores não podem compreender qual seja a sua finalidade. Se eles a compreendessem, é evidente que não a rejeitariam e se contentariam em guardá-la até o fim. Porém, perguntam-se: “o que farão com a pedra”? — e não podendo encontrar uma resposta satisfatória para essa questão decidem, acreditando-a inutilizável, “lançá-la entre os entulhos” (to heave it over among the rubbish). A destinação dessa pedra só pode ser compreendida por uma outra categoria de construtores, que não intervém ainda nesse estágio: são os que transpuseram “o esquadro e o compasso”, e por essa distinção é preciso naturalmente entender a diferença das formas geométricas que esses dois instrumentos servem para traçar, isto é, o quadrado e o círculo, que simbolizam de um modo geral, como se sabe, a Terra e o Céu. Aqui, a forma quadrada corresponde à parte inferior do edifício, e a forma circular à sua parte superior, que, nesse caso, deve ser constituída por um domo ou uma abóbada. De fato, a “pedra angular” é na realidade uma “chave de abóbada” (keystone). A. Coomaraswamy diz que, para exprimir o verdadeiro significado da expressão, “tornou-se a cabeça de ângulo” (is become the head of the corner), poder-se-ia traduzi-la por is become the keystone of the arch, o que é perfeitamente exato. E assim essa pedra, tanto por sua forma, quanto por sua posição, é com efeito única no edifício todo, tal como deve ser para poder simbolizar o princípio do qual tudo depende. Poderá parecer surpreendente que a representação do princípio seja apenas colocada em último lugar na construção; esta porém, em seu conjunto, poderíamos dizer, está ordenada em relação a ela (o que São Paulo exprime ao dizer que “nela o edifício inteiro se ergue em templo sagrado, no Senhor”), e que é nela que encontra finalmente sua unidade. Existe aí, também, uma aplicação da analogia, que já explicamos em outras ocasiões, entre o “primeiro” e o “último”, ou o “princípio” e o “fim”: a construção representa a manifestação na qual o princípio só aparece como o arremate último. É precisamente em virtude dessa mesma analogia que a “primeira pedra”, ou “pedra fundamental”, pode ser considerada como um “reflexo” da “última pedra”, que é a verdadeira “pedra angular”. (Guénon)

René Guénon