O que caracteriza as sociedades tradicionais é a oposição que elas subentendem entre o seu território habitado e o espaço desconhecido e indeterminado que o cerca: o primeiro é o “mundo”, mais precisamente, “o nosso mundo”, o Cosmos; o restante já não é um Cosmos, mas uma espécie de “outro mundo”, um espaço estrangeiro, caótico, povoado de espectros, demônios, “estranhos” (equiparados, aliás, aos demônios e às almas dos mortos). À primeira vista, essa rotura no espaço parece consequência da oposição entre um território habitado e organizado, portanto “cosmizado”, e o espaço desconhecido que-se estende para além de suas fronteiras: tem-se de um lado um “Cosmos” e de outro um “Caos”. Mas é preciso observar que,-se todo território habitado é um “Cosmos”, é justamente porque foi consagrado previamente, porque, de um modo ou outro, esse território é obra dos deuses ou está em comunicação com o mundo deles. O “Mundo” (quer dizer, “o nosso mundo”) é um universo no interior do qual o sagrado já-se manifestou e onde, por consequência, a rotura dos níveis tornou-se possível e-se pode repetir. É fácil compreender por que o momento religioso implica o “momento cosmogônico”: o sagrado revela a realidade absoluta e, ao mesmo tempo, torna possível a orientação – portanto, funda o mundo, no sentido de que fixa os limites e, assim, estabelece a ordem cósmica. (Eliade)