contas

O número de contas do rosário varia de acordo com as tradições e também segundo certas aplicações mais especiais. Mas, nas formas orientais pelo menos, tem sempre um número cíclico: é o que ocorre em particular na Índia e no Tibete, onde o rosário tem de hábito 108 contas. Na realidade, os estados que constituem a manifestação universal são em quantidade indefinida, mas é evidente que tal quantidade não poderia ser adequadamente representada num símbolo de ordem sensível como esse que estamos tratando, e é preciso que as contas tenham um número definido. Assim sendo, um número cíclico convém naturalmente para uma figura circular, como a que estamos considerando aqui, e que representa um ciclo, ou antes, como já dissemos, um “ciclo de ciclos”.

Na tradição islâmica, o número de contas é 99, número este que também é “circular” pelo seu fator 9, e que nesse caso se refere além disso aos nomes divinos (as 99 contas são ainda divididas em três séries de 33; reencontramos aqui, portanto, múltiplos de importância simbólica). Visto que cada conta representa um mundo, isso pode ser de igual modo relacionado aos anjos, considerados “regentes das esferas”; cada anjo representa ou exprime de certo modo um atributo divino, que estará assim particularmente vinculado a um mundo do qual esse anjo é o “espírito”. Por outro lado, diz-se que falta uma conta para completar a centena (o que equivale reconduzir a multiplicidade à unidade), pois 99 = 100 — 1, e que essa conta, aquela que se refere ao “Nome da Essência” (Ismudh-Dhat), só pode ser encontrada no Paraíso. Na correspondência angélica que acabamos de mencionar, a centésima conta deveria ser referida ao “Anjo da Face” (que na verdade é mais que um anjo), Metraton ou Er-Ruh.

O número 100, bem como o 10 do qual é o quadrado, só pode normalmente referir-se a uma medida retilínea e não a uma medida circular, de modo que não pode ser contado na circunferência da “corrente dos mundos”. Contudo, a unidade faltante corresponde exatamente ao que denominamos ponto de junção das extremidades dessa corrente, ponto este que, tornamos a lembrar, não pertence à série dos estados manifestados. No simbolismo geométrico, esse ponto, ao invés de estar sobre a circunferência que representa o conjunto da manifestação, estará no seu próprio centro; portanto, o retorno ao Princípio é sempre figurado como um retorno ao centro. O Princípio, de fato, só pode aparecer de certa forma na manifestação através de seus atributos, isto é, de acordo com a linguagem da tradição hindu, por seus aspectos “não-supremos”, que são, poderíamos ainda dizer, as formas de que se reveste o sutratma em relação aos diferentes mundos que atravessa (ainda que, na realidade, o sutratma não seja de modo algum afetado por essas formas, que nada mais são, afinal, que as aparências decorrentes da própria manifestação). Já o Princípio em si, ou seja, o “Supremo” (Paramatma e não mais sutratma), ou a “Essência” considerada como absolutamente independente de qualquer atribuição ou determinação, não poderia ser considerado como entrando em relação com a manifestação, mesmo que seja de modo ilusório, embora a manifestação dele proceda e dependa inteiramente em tudo que é, e sem o que não teria o menor grau de realidade; a circunferência só existe pelo centro; mas o centro não depende da circunferência de modo algum, nem sob qualquer ponto de vista. (Guénon)

René Guénon