Cristo

João é o único em todo o NT a traduzir para grego a forma hebraica/aramaica meshiah (1, 41; “Encontramos o Messias! — que quer dizer Cristo”; 4, 25: “Eu sei que o Messias, que é chamado Cristo, está para vir”). O designativo Christos aparece 17 vezes em João, e o composto “Jesus Cristo” duas vezes (1, 17; 17, 3). A questão de Jesus ser ou não o Messias, nas controvérsias de Jesus, é mais sublinhada em João do que nos Sinópticos. O Batista nega ser o Messias (1, 20; 3, 28); os discípulos de Jesus aclamam-no como Messias, logo no princípio (1, 41); os samaritanos (4, 29) e os judeus (7, 25-31. 40-43. 52; 12, 49) discutem a messianidade de Jesus; e o fato de confessarem Jesus como Messias torna-se causa de expulsão das sinagogas (9, 22; cf. 16, 2).

Tal como nos Sinópticos, Jesus nunca se proclama Messias, nem responde objetivamente quando lhe perguntam se é o Messias (10, 24: “Se és o Messias, di-lo claramente. Jesus respondeu-lhes: “Já vo-lo disse, mas não credes. As obras que eu faço em nome de meu Pai, essas dão testemunho a meu favor”). O segredo messiânico que encontramos nos Sinópticos aparece também em João. Por outro lado, a função messiânica de Jesus, segundo a teologia clássica das expectativas judaicas, anda ligada à função de Jesus como o Profeta e o Rei prometido (6,14-15:”Aquela gente, ao ver o sinal que Jesus tinha feito, dizia: “Este é realmente o Profeta que devia vir ao mundo!” Por isso, Jesus, sabendo que viriam arrebatá-lo para o fazerem rei, retirou-se de novo, sozinho, para o monte”; 18, 33-37). Em 20, 31, os títulos “Messias” e “Filho de Deus” são equivalentes e, como tal, objecto da fé cristã que se traduz na VIDA. (ESJ)


A ideia inicial de Cristo — caso seja possível assim nos expressarmos — é, com efeito, a de que a razão de ser da ação piedosa é a piedade da intenção e que, na ausência dessa piedade, a ação deixa de ser piedosa. É preferível realizar a piedade interior a concretizar sem o amor de Deus nem o do próximo, e até por hipocrisia, as manifestações ou os alicerces exteriores dessa piedade, pois esta tem justamente toda a sua razão suficiente no amor de Deus.

Quando se fala em esoterismo cristão, só pode tratar-se de três coisas: primeiramente, da gnose cristã, baseada na pessoa, no ensinamento e nos dons de Cristo, e aproveitando-se eventualmente dos conceitos platônicos, o que em metafísica nada tem de irregular.

No âmbito do Cristianismo, a ideia de que a redenção é a priori a obra intemporal do Logos dos princípios, não-humano e não-histórico; a ideia de que ela pode e deve se manifestar de diferentes maneiras em várias épocas e em diversos lugares; a de que o Cristo histórico manifesta esse Logos num determinado mundo providencial, sem que seja necessário ou possível delimitar esse mundo de maneira exata; essa ideia, dizemos, é esotérica em relação ao dogmatismo cristão e seria absurdo exigi-la da teologia.

A união com Cristo implica na identidade com ele; e acrescentaremos que a união com a Virgem implica na identificação com o aspecto de doçura e de infinitude do Logos, pois a shakti do Absoluto é o Infinito; todas as qualidades e prerrogativas de Maria deixam-se reduzir às essências da divina Infinitude.

Se no Vedanta shankariano e não-dualista é o Intelecto inato — a Consciência divina imanente — que opera a reintegração no Si-mesmo, no Cristianismo, esse Intelecto salvador exterioriza-se e personifica-se em Cristo e, em segundo lugar, na Virgem. 2° No Hinduísmo, esse mesmo papel cabe, segundo diferentes pontos de vista e, às vezes, combinados, ao grande avatârâ ou à sua shakti, ou ao guru. A função do Cristo heroico é despertar e manifestar o Cristo interior; mas, a exemplo do Logos que Jesus manifesta humana e historicamente, o Cristo interior ou o Coração-Intelecto é universal e, portanto, transpessoal. 3° Ele é “homem verdadeiro e Deus verdadeiro” e, em consequência, falando analogicamente, Afoya e Atma, Samsara e Nirvana: jogo de velar e desvelar e Realidade imutável; drama cósmico e Paz divina.

São Justino, o Mártir, faz com que se observe na Primeira Apologia que Cristo é o “primogênito de Deus” e “o Logos de que participa toda a raça humana”, e conclui: “Os que viveram de acordo com o Logos (= Intelecto) que está em todos os homens são cristãos — mesmo sendo chamados de ímpios —, como Sócrates, Heráclito e outros entre os gregos … Os que viveram pelo Logos e os que assim vivem agora são cristãos, sem temor e sem inquietação.”

Poder-se-ia igualmente dizer que Seth manifesta o tashbih, a “semelhança” ou a “analogia”, portanto, o simbolismo, a participação do humano no divino e que, inversamente, Jesus manifesta a “abstração”; portanto, a tendência para um puro “além”, pois o reino de Cristo não é deste mundo. Adão e Maomé manifestam, então, o equilíbrio entre o tashbih e o Tanzih, Adão a priori e Maomé a posteriori. Seth, o revelador dos ofícios e das artes, ilumina o véu da existência terrestre; Cristo rasga o véu obscuro; o Islamismo, como Religião primordial, combina as duas atitudes.

Deste ponto de vista, explica-se e justifica-se a felix culpa de Santo Agostinho, não apenas pelo advento salvador do Cristo mas pela necessidade do desenvolvimento pleno do ser humano. Então, o Cristo e a Virgem — novo Adão e nova Eva — aparecem menos como uma compensação imprevista do que como a prova dessa necessidade paradoxal da possibilidade humana: dessa necessidade de cair para poder levar a consciência do Divino aos confins do que é humanamente possível. (Schuon)

Frithjof Schuon