Muitos desses cultos e seitas irão sofrer transformações radicais ou desaparecerão, provavelmente a fim de serem substituídos por outros grupos. Em todo caso, eles são representativos da cultura jovem contemporânea e exprimem a paixão pelo oculto com mais vigor e nitidez do que o fizeram organizações mais antigas, como a Sociedade Teosófica ou a Antroposofia. Todos esses grupos e seitas se caracterizam por traços específicos. Em primeiro lugar e principalmente, é evidente sua insatisfação para com a Igreja Cristã, seja ela Católica Romana ou Protestante. Em termos mais amplos, pode-se falar de uma revolta contra qualquer establishment tradicional religioso do Ocidente. Essa revolta não implica numa crítica teológica ou filosófica dos dogmas e das instituições eclesiásticas específicas, mas numa insatisfação mais geral. Na realidade, a maior parte dos membros dos novos cultos ignora quase completamente sua própria herança religiosa, mas sente-se insatisfeita com que o que viu, ouviu ou leu sobre o Cristianismo. Há segmentos da nova geração que esperavam de suas igrejas mais do que uma instrução ético-social. Muitos dos que tentaram participar ativamente da vida da igreja buscavam experiências místicas e especialmente instrução sobre o que chamavam, vagamente, “gnose” e misticismo. É óbvio que foram desiludidos. Nos últimos 50 anos, todas as seitas religiosas resolveram mudar seu campo de ação, procurando agir mais vigorosamente no plano social. A única tradição cristã ocidental que conservava uma poderosa liturgia sacramental era a Igreja Católica Romana e, mesmo assim, ela está tentando, no momento, drasticamente, simplificá-la. Além dos mais, a “gnose” e o misticismo foram, desde o começo, objeto de perseguição e reprovação por parte das autoridades religiosas. As igrejas ocidentais mal toleravam o misticismo e as experiências místicas. Pode-se dizer que apenas o Cristianismo Ortodoxo do Oriente elaborou e conservou uma tradição litúrgica rica e que ele tem incentivado a ambas, a especulação gnóstica e a experiência mística.
Devo logo acrescentar que tal insatisfação para com a tradição cristã não explica o interesse crescente pelo oculto que teve início nos anos sessenta e preparou a explosão ocultista dos anos setenta. É verdade que houve, por vezes, uma intenção anticlerical em manifestações de bruxaria e gnosticismo: pode-se afirmar que essas manifestações visavam chocar, eram um tipo de vingança por parte de vítimas de perseguições religiosas. Contudo, esses foram casos esporádicos. O fato mais geral deveu-se a uma rejeição da tradição cristã em favor de um método supostamente mais abrangente e mais eficiente de se alcançar uma renovatio individual e, ao mesmo tempo, coletiva.38 Mesmo quando tais ideias são objeto de formulações ingênuas ou mesmo ridículas, há sempre a convicção tácita de que existe uma maneira de se escapar do caos e da falta de sentido da vida moderna e que essa maneira implica numa iniciação e, consequentemente, numa revelação de segredos antigos e veneráveis. É, basicamente, a atração por uma iniciação pessoal que explica o grande interesse pelo oculto. Como é bem sabido, o Cristianismo rejeitou o tipo de religiões de mistérios que exigem iniciação secreta.39 Todos podem participar do “mistério cristão”; ele foi “proclamado aos quatro ventos”, e os gnósticos foram perseguidos por causa de seus rituais secretos de iniciação. Na explosão ocultista contemporânea, a “iniciação”, independente do conceito que o participante tenha do termo, tem uma função capital: ela confere um novo status ao adepto: ele se sente “eleito” de uma certa forma, escolhido no meio da multidão anônima e solitária. Além disso, na maioria dos círculos ocultistas, a iniciação tem também uma função suprapessoal, porque supõe que cada novo adepto contribua para a renovatio do mundo.
Percebe-se esse anseio no esforço para descobrir a sacralidade da natureza. A importância da nudez cerimonial e das relações sexuais rituais não deve ser interpretada simplesmente como manifestações libidinosas. A revolução sexual recente tornou obsoletos tais tipos de hipocrisia e farsa. Em vez disso, a nudez ritual e as práticas orgiásticas buscam recapturar o valor sacramental da sexualidade. Pode-se falar da nostalgia inconsciente por uma existência fabulosa, paradisíaca, livre de inibições e tabus. É significativo o fato de, na maior parte dos círculos ocultistas, o conceito de liberdade fazer parte de um sistema, envolvendo as ideias de renovatio cósmica, de universalismo religioso (querendo dizer, com isso especialmente a redescoberta das tradições orientais) e de progresso espiritual através da iniciação, um progresso que continua, é claro, após a morte. Em suma, todos os grupos ocultistas recentes têm por pressuposto, consciente ou inconscientemente, o que eu chamaria uma concepção otimista do modo de ser humano. (Eliade)