Este termo significa o processo do ser ou, se se quiser, o ser como processo. Por isso se contrapõe habitualmente o devir ao ser. Designa todas as formas do chegar a ser, do ir sendo, do mudar-se, do acontecer, do passar, do mover-se, etc. O problema do devir é um dos problemas capitais da especulação filosófica. Isso verifica-se já no pensamento grego, o qual levantou a questão do devir em estreita ligação com a questão do ser. De fato, esse pensamento surgiu em grande parte como uma surpresa perante o fato da mudança das coisas e como a necessidade de encontrar um princípio que pudesse explicá-lo. O devir como tal era inapreensível pela razão. Pode dizer-se que os tipos principais de filosofia pré-socrática se podem descrever em relação às correspondentes concepções mantidas pelos seus representantes sobre o problema do devir. Os pitagóricos fizeram o que convinha, mas pensaram encontrar o princípio do devir e do múltiplo numa realidade ideal: as relações matemáticas. Heráclito fez do próprio devir o princípio da realidade. Note-se, contudo, que o devir, em Heráclito, embora seja puro fluir, está submetido a uma lei: a lei da medida, que regula o incessante iluminar-se e extinguir-se dos mundos. Parmênides e os eleatas adotaram, a esse respeito, uma posição oposta à de Heráclito. Dado que a razão não apreende o devir, declaram que a realidade que devém é pura aparência; o ser verdadeiro é imóvel: perante o “tudo flui” de Heráclito, proclamaram o “tudo permanece”. Enquanto Empédocles entendeu o devir num sentido qualitativo (devir é mudar qualidades), Demócrito entendeu-o num sentido qualitativo (devir é deslocação de átomos em si mesmos invariáveis, sobre um fundo de não ser, ou extensão indeterminada). Note-se, a este respeito, que esta diferença entre o qualitativo e o quantitativo no devir se tornou fundamental na filosofia. A tendência geral de Platão consiste em fazer do devir uma propriedade das coisas enquanto reflexos ou cópias das ideias. A essas coisas se chama precisamente, por vezes, o engendrado ou o devido. Deste ponto de vista, pode dizer-se que na filosofia de Platão só o ser e a imobilidade do ser (ou das ideias) é “verdadeiramente real”, enquanto o devir pertence ao mundo do participado. Considerada a questão do ângulo do conhecimento, pode dizer-se que o ser imóvel é objeto do saber, enquanto o ser que devém é objeto da opinião. Contudo, seria um erro simplificar demasiado o pensamento platônico, já que o tratamento do problema, em diversos diálogos, deu lugar a interpretações muito variadas. Aristóteles criticou, antes de mais, as concepções sobre o devir propostas por filósofos anteriores. Essas concepções podem reduzir-se a quatro: 1) a solução eliática, que pretende dar conta do devir negando-o; 2) a solução pitagórica e platônica, que tende a separar os entes que se movem das realidades imóveis para depois — sem o conseguir – deduzir os primeiros dos segundos; 3) a solução heraclitiana e sofística, que proclama que a realidade é devir, e 4) a solução pluralista, que reduz as diferentes formas do devir a uma só, quer qualitativa, (Empédocles), quer quantitativa (Demócrito). Os defeitos destas concepções são principalmente dois: a) o não notar que o devir é um fato que não pode ser negado ou reduzido a outros ou afirmado com substância (esquecendo neste caso que o devir é devir de uma substância), e b) o não reparar que devir como ser é um termo com várias significações. Estes defeitos procedem, em grande parte, de que os filósofos, embora não tenham perdido de vista que para que haja devir é preciso algum fator, condição ou elemento, não deram conta, em contrapartida, de que é preciso mais de um fator. Por isso, o problema do devir inclui a questão das diferentes espécies de causa. De fato, afirma Aristóteles, há tantos tipos de devir quantos os significados do vocábulo é. O devir é a) por acidente, b) relativamente a outra coisa e c) em si mesmo. Se considerarmos o último significado, podemos classificar o devir em três classes: o movimento qualitativo (alteração), o quantitativo (aumento e diminuição) e o movimento local. Pode perguntar-se agora se algum deles tem o primado sobre os outros. Por um lado, parece que o primado é do devir qualitativo, se prestarmos atenção ao sentido ontológico da mudança, evitando qualquer redução do mesmo à deslocação de partículas no espaço. A explicação do devir será então determinada pela célebre definição do movimento como atualização do possível. Por outro lado, pode-se considerar que o sentido primeiro do devir é a translação ou o movimento local. Os escolásticos de tendências aristotélicas procuraram aperfeiçoar e esclarecer os anteriores conceitos. Assim, S. Tomás afirmava que a mudança é a atualização da potência, enquanto potência; por isso há devir quando uma causa eficiente leva a potência à atualidade, e outorga ao ser a sua perfeição entitativa. Ato e potência são igualmente necessários para que o devir tenha lugar, pelo menos o devir dos entes criados. Em contrapartida, em certas correntes da filosofia moderna, considerou-se o próprio devir, com o motor de todo o movimento e como a única explicação plausível de qualquer mudança. Considerou-se que a ontologia tradicional — quer grega quer escolástica — era excessivamente estática. Vislumbres do novo dinamismo encontram-se em algumas filosofias renascentistas, mas a sua plena maturidade só se revelou dentro do pensamento romântico. Contudo, este manifestou-se de duas maneiras: ou como uma constante afirmação do primado do devir, ou como uma tentativa de racionalizar o devir de alguma maneira. Exemplo eminente desta última posição encontramo-lo em Hegel, para o qual o devir representa a superação do ser puro e do puro nada, os quais são, em última análise, idênticos. “A verdade — escreve Hegel — não é nem o ser nem o nada, mas o fato de que o ser se converta ou melhor, se tenha convertido em nada e vice-versa. mas a verdade também não é a sua indiscernibilidade, mas o fato de que não sejam a mesma coisa, sejam absolutamente distinto, mas ao mesmo tempo separados e separáveis, desaparecendo cada um no seu contrário. A sua verdade é, por conseguinte, este movimento do imediato desaparecer de um no outro: o devir é um movimento no qual ambos os termos são distintos, mas com uma espécie de diferença que, por sua vez, se dissolveu imediatamente” (A CIÊNCIA DA LÓGICA). Hegel frisa, além disso, que este devir “não é a unidade feita por abstração do ser e do nada, mas, como unidade do ser e do nada, é esta unidade determinada, isto é algo no qual se encontram tanto nada como ser”. (DFW)