Na filosofia pré-socrática, discutiu-se o problema do espaço juntamente com o da matéria paralelamente a certas oposições análogas como cheio-vazio, ser-não ser, etc. Em Platão, encontram-se as primeiras determinações do problema do espaço como tal, embora só seja possível referir-se, a esse respeito, a uma só passagem das suas obras (TIMEU). Segundo Platão, há três gêneros de ser: um, que é sempre o mesmo, incriado e indestrutível, invisível para os sentidos, que nada recebe de fora nem se transforma noutra coisa: são as formas ou as ideias. Outro, que está sempre em movimento, é criado, perceptível para os sentidos e para a opinião, e sempre a aparecer no lugar e a desaparecer dele: são as coisas sensíveis. Outro, finalmente, que é eterno e não susceptível de destruição, constitui o habitáculo das coisas criadas, é é apreendido por meio de uma razão espúria e é apenas real: é o espaço. Como o espaço carece de figura, as definições que podem dar-se dele são, ao que parece, negativas. O espaço enquanto receptáculo puro é um contínuo sem qualidades, é um habitáculo e nada mais; não se encontra nem na terra nem no céu (inteligível) de modo que não se pode dizer dele que existe. Como Aristóteles concebe o espaço como lugar, remetemos para o artigo sobre este conceito. Cabe acrescentar que se o lugar aristotélico merece ser chamado espaço, o é unicamente enquanto equivale a um campo onde as coisas são particularizações. Ora, uma vez que, de acordo com o conceito de lugar, não é possível conceber as coisas sem o seu espaço, o espaço não pode ser, como postulava Platão, um mero receptáculo. Também não é viável, por conseguinte, a concepção dos atomistas que conceberam o espaço como o vazio. Durante a Idade Média e especialmente os escolásticos, as ideias sobre a natureza do espaço fundaram-se em noções já esclarecidas na filosofia antiga. Um dos principais problemas levantados foi o da dependência ou independência do espaço relativamente aos corpos. A opinião que prevaleceu foi a aristotélica: o espaço como lugar. As doutrinas modernas sobre a noção de espaço são tão abundantes e complexas que qualquer resumo é notoriamente insuficiente. Os filósofos e os homens de ciência tenderam cada vez mais, desde o renascimento, a conceber o espaço como uma espécie de “continente universal” dos corpos físicos. Este espaço tem várias propriedades: O ser homogêneo (isto é, as coisas são indiscerníveis umas de outras do ponto de vista qualitativo); o ser isotrópico (o fato de todas as direções do espaço terem as mesmas propriedades); o ser contínuo; o ser ilimitado; o ser tridimensional e o ser homoloidal (o fato de uma dada figura ser matriz de um número infinito de figuras em diferentes escalas, mas assemelhando-se umas às outras). A ideia do espaço desempenha um papel determinante na filosofia cartesiana. O espaço é, para Descartes, coisa extensa, cujas propriedades são a continuidade, a exterioridade, a reversibilidade, a tridimensionalidade, etc. por sua vez, a coisa extensa constitui a essência dos corpos. Uma vez que se despojaram os corpos de todas as propriedades sensíveis (sempre mutáveis), resta deles a extensão. Assim, a substância corporal só pode conhecer-se claramente por meio da extensão. É certo que Descartes fala de espaço mas a função desempenhada por esta noção é diferente da que tem na escolástica; o espaço é conhecido a priori com perfeita clareza e distinção; a extensão em que o espaço consiste é perfeitamente transparente. Como esta extensão não é sensível, é, como assinala subtilmente Malebranche, “extensão inteligível”. A questão da natureza do espaço foi muito debatida durante o século XVIIe primeiro terço do século XVIII. Embora muitos autores tenham contribuído para esta polêmica, costuma-se centrá- la nos nomes de Newton, por um lado, e de Leibniz, por outro. Newton definiu o espaço do seguinte modo: “o espaço absoluto, na sua própria natureza, sem relação com nada externo, permanece sempre similar e imóvel. O espaço relativo é uma dimensão móvel ou medida dos espaços absolutos, que os nossos sentidos determinam mediante a sua posição relativa aos corpos, e que é vulgarmente considerado como espaço imóvel” (PRINCÍPIOS). A interpretação mais corrente destas fórmulas é a seguinte: o espaço é, parra Newton, uma medida absoluta e assim uma “entidade absoluta”. Uma vez que as medidas no espaço relativo são função do espaço absoluto, pode concluir-se que este último é o fundamento de toda a dimensão espacial. No COMENTÁRIO GERAL DOS PRINCÍPIOS, Newton afirma que, embora Deus não seja espaço, se encontra em toda a parte, de modo que constitui o espaço. Newton representava, pois, a ideia do espaço como realidade em si, independente, em princípio, dos objetos situados nele e dos seus movimentos: os movimentos são relativos, mas o espaço não é. não se concebia o espaço como um acidente das substâncias; não é que os corpos fossem espaciais, mas moviam-se em o espaço. Contra isto, manifestou Leibniz a sua célebre opinião: o espaço não é um absoluto, não é uma substância, não é um acidente de substâncias Mas uma relação. Só as mônadas são substâncias; o espaço não pode ser substância. Como relação, o espaço é uma ordem; a ordem de coexistência ou, mais rigorosamente, a ordem dos fenômenos coexistentes. O espaço não é real mas ideal. Isto é, não há espaço real fora do universo material; espaço é, em si mesmo, uma coisa ideal, tal como o tempo. Kant seguiu as orientações leibnizianas enquanto defendeu que o espaço é uma relação, mas concebeu esta última não como algo ideal mas como algo transcendental. As principais ideias de Kant sobre o espaço encontram-se na estética transcendental da CRÍTICA DA RAZÃO PURA. Para Kant, espaço é, tal como o tempo, uma forma da intuição sensível, isto é, uma forma a priori da sensibilidade. não é “um conceito empírico derivado de experiências externas, porque a experiência externa só é possível pela representação do espaço”. “É uma representação necessária a priori, que serve de fundamento a todas as intuições externas”, porque “é impossível conceber que não exista espaço, embora o possamos pensar sem que contenha algum objeto”. Em suma, o espaço é “a ideia da possibilidade dos fenômenos”, isto é, “uma representação a priori, fundamento necessário dos fenômenos”. O espaço não é nenhum conceito discursivo, mas uma intuição pura. Na exposição transcendental, demonstra-se que “o espaço não representa nenhuma propriedade das coisas, que não é mais que a forma dos fenômenos dos sentidos externos, isto é, a única condição subjetiva da sensibilidade, mediante a qual não é possível a intuição externa”. O resultado da investigação kantiana é a adscrição ao espaço dos caracteres de aprioridade, independência da experiência, intuitividade e idealidade transcendental. Como intuição pura, o espaço é uma”forma pura da sensibilidade” ou — “a forma de todas as aparências do sentido externo” (CRÍTICA DA RAZÃO PURA). Ora, o chamado idealismo alemão acentuou o construtivismo do espaço numa proporção que Kant não havia imaginado. Em Fichte, por exemplo, o espaço aparece como algo estabelecido pelo eu quando este estabelece o objeto como extensão. E, em Hegel, o espaço é uma fase, dum momento do desenvolvimento dialético da ideia, a pura exterioridade desta. O espaço aparece, neste último caso, como a generalidade abstrata do ser-fora-de-si da natureza. Pode dizer- se então que a subjetivação do espaço dá lugar a uma ideia muito diferente consoante a forma como se admite essa subjetivação. A ideia do espaço ocupa um lugar destacado em todas as correntes importantes do século XIX. Só o naturalismo radical admitirá , sem crítica, uma objetividade exterior do espaço. Houve muitas discussões sobre o carácter absoluto ou relativo, objetivo ou subjetivo, do espaço, bem como sobre o problema das relações do espaço com o tempo e a matéria. Indicaremos algumas das teses formuladas de um ponto de vista psicológico, geométrico, gnoseológico, ontológico e metafísico. Do ponto de vista psicológico, considera-se o espaço como objeto da percepção, e a resposta ao problema deu como resultado várias teorias acerca dos diferentes espaços (táctil, auditivo, visual, etc), bem como da aquisição da ideia de espaço (empírico, nativista, etc). Do ponto de vista geométrico, considera-se o espaço como “o lugar das dimensões”, como algo contínuo e ilimitado. Do ponto de vista físico, o problema do espaço relaciona-se intimamente com as questões que se referem à matéria e ao tempo, e a resposta a estas questões afeta também, como na física recente, a constituição geométrica. Falava-se, assim, em física, por exemplo, de um contínuo espaço-tempo. Do ponto de vista gnoseológico, examina-se o espaço enquanto classe especial das categorias. Do ponto de vista ontológico, como uma das determinações de certos tipos de objetos. Finalmente, do ponto de vista metafísico, o problema do espaço engloba o problema mais amplo da compreensão da estrutura da realidade. (DFW)