Espanha

O domínio imperial romano foi varrido da Península Ibérica quando sucessivas ondas de povos bárbaros — suevos, alanos e vândalos — crusaram os Pireneus em 409. A presença deles foi transitória e predominantemente destrutiva (daí o etnônimo “vândalo” ter adquirido, em sentido figurado, o significado de destruidor de tudo o que por sua antiguidade, valor ou beleza, merece respeito nt); mas sucederam-lhes em 456 os visigodos, ainda semi-selvagens mas já cristãos (embora heréticos arianos) e falando latim, que se fixaram e se ligaram pelo casamento com a população hispano-romana. O reino visigodo, com Toledo por capital e as obras de Isidoro de Sevilha como imperecível monumento cultural, durou dois séculos e meio. Mas era uma monarquia eletiva; as facções rivais no seio da casa real enfraqueceram-na fatalmente e, quando em 711 um grupo decidiu levar tropas árabes e bérberes do Marrocos a fim de o ajudar em suas ambições, o poder visigodo desmoronou. Em 718, os muçulmanos controlavam a península inteira, com exceção de algumas pequenas regiões montanhosas do norte que dificilmente pareciam valer a pena ser ocupadas, e não tardaram em transpor os Pireneus para ameaçar a França.

Uma escaramuça nas montanhas cantábricas, localizadas por tradição em Covadonga, iniciou em 718 a Reconquista, com a fundação do reino das Astúrias; o outro núcleo de resistência foi o reino basco de Navarra, nos Pireneus. Na década de 740, a guerra civil entre os muçulmanos permitiu uma vasta expansão do território asturiano; simultaneamente, os francos tinham rechaçado os muçulmanos para o outro lado dos Pireneus e estabelecido no nordeste da península uma área de segurança da fronteira hispano-franca. Nessa região, que tinha características genuinamente europeias, tais como o rito romano, a escrita Carolíngia e um autêntico sistema feudal, o poder político cristalizou-se gradualmente em torno dos condes de Barcelona, e o mosteiro de Ripoll tornou-se um dos grandes centros culturais da Europa. No século IX, o avanço da Reconquista transformou o reino das Astúrias no de Leão (com a transferência concomitante da capital da cidade de Oviedo para a de Leão NT). Castela era um mero condado de Leão, assim como Aragão era-o de Navarra, mas Castela já estava desenvolvendo traços linguísticos e político-jurídicos que a distinguiam como uma fluida, enérgica e potencialmente rica sociedade de fronteira. Em meados do século X, o conde Fernando Gonzalez, jogando habilmente Navarra contra Leão, conseguiu a independência de Castela. No prazo de um século, seus condes tinham-se tornado reis, e Castela estava desempenhando um papel de destaque. A Galícia (e sua metade meridional, que se tornaria o condado Portucalense e núcleo do futuro reino de Portugal) a oeste, Aragão e a Catalunha, a leste, eram só intermitentemente importantes nos negócios do centro, cuja política era dominada por Navarra, Leão e Castela, alternadamente. Por mais de uma vez, um forte e ambicioso monarca (como Sancho III de Navarra) criou um reino unido pela conquista, mas que acabaria sendo dividido entre seus herdeiros, que então se guerreavam em busca da supremacia.

A Espanha muçulmana, dominada em seus primeiros 40 anos por governantes dependentes do califa de Damasco, tinha desde há muito adquirido sua autonomia, com o estabelecimento por Abd el-Rahman I do emirado de Córdova em 756; este cobria dois terços da península, estendendo-se para norte até os rios Douro e Ebro. Desenvolveu-se uma próspera sociedade multilinguística e multirracial, com grandes comunidades judaicas assim como de moçárabes cristãos (espanhóis nativos vivendo sob o domínio árabe), e um florescimento cultural que rivalizou com o da corte do califa em Damasco. A segunda metade do século IX foi perturbada pelas incursões nórdicas e a agitação religiosa, mas Abd el-Rahman III (912-61) pacificou a fronteira, fortaleceu as administrações central e provinciais, usou novas técnicas de agricultura e irrigação para criar ainda maior prosperidade, e fez de Córdova o mais poderoso Estado da Europa, com uma cultura cujo brilho eclipsou a de Damasco e de Bagdá. Em 929, proclamou-se califa, líder espiritual e temporal; pela primeira vez, houve dois califas no Islã. Al-Mansur, chefe militar e regente (na verdade, ditador) do Califado a partir de 979, arrasou grande parte do norte cristão, mas enfraqueceu de tal modo o poder dos califas, que à data de sua morte em 1002, o Califado desintegrou-se, sendo sucedido por uma série de pequenos reinos taifa, e os reinos cristãos tornaram-se dominantes.

As incursões de Al-Mansur e a hegemonia de Sancho III quebraram a dependência política da Catalunha da França, e o conde Ramon Berenguer I (1035-76) garantiu uma identidade política e jurídica especificamente Catalã. Quando o rei de Aragão morreu em 1137 sem deixar herdeiro varão, formou-se uma imprecisa mas duradoura união, a Coroa de Aragão confiada ao conde de Barcelona; o novo reino incluiu Saragoça, que tinha sido reconquistada em 1118. As vitórias de Afonso VI contra os reinos taifa provocaram a invasão almorávida e, apesar do triunfo temporário de El Cid em Valência, os almorávidas, e depois deles, os almôadas, retardaram de forma efetiva a Reconquista por um século e meio. Entretanto, alguns avanços foram realizados e, o mais importante, o grande troféu de Afonso VI, Toledo, permaneceu em mãos cristãs. Foi aí que uma escola de tradutores alimentou a Renascença do século XII com versões latinas de textos científicos árabes (e, consequentemente, gregos). A Espanha cristã fortaleceu-se demográfica, econômica e culturalmente por causa da intolerância dos almôadas, que forçou moçárabes e judeus a refugiarem-se em grande número no norte; Castela substituiu a Andaluzia como o grande centro da cultura judaica.

Após a vitória de Las Navas de Tolosa (1212), a Reconquista adquiriu grande impulso com Fernando III. Suas conquistas (Córdova, Sevilha, Múrcia, Jaen) foram flanqueadas pela captura de Badajoz (1230) por Afonso IX de Leão, e pela rendição de Valência a Jaime I de Aragão em 1238. 0 reinado de Fernando também marca a união definitiva de Leão e Castela, sob liderança castelhana. Seu sucessor, Afonso X, pagou o preço do espetacular sucesso de Fernando III e de sua própria fraqueza. Problemas econômicos e demográficos agudos assediaram Castela, e os grandes nobres, ajudados pelo herdeiro de Afonso, Sancho IV, desafiaram com êxito a autoridade central da Coroa, causando a miséria do povo e protelando a Reconquista. Afonso XI (1312-50) dominou os nobres e estava marchando contra Granada quando morreu vítima da peste. Sobreveio o desastre; enquanto a peste devastava a península, uma guerra civil entre filhos legítimos e ilegítimos de Afonso trouxe exércitos estrangeiros para dentro das fronteiras de Castela e fortaleceu a nobreza às custas da Coroa e do povo. Os judeus, prósperos e numerosos, eram um óbvio bode expiatório para os infortúnios castelhanos, e os pogroms, a partir de 1391, redundaram em conversões semiforçadas (os conversos, por sua vez, tornaram-se suspeitos e perseguidos), no estabelecimento da Inquisição espanhola (1478) e na expulsão dos judeus da Espanha.

A participação da Coroa de Aragão na Reconquista completou-se com a rendição de Valência; Múrcia, mais ao sul, caiu em poder de Castela quase ao mesmo tempo. Aragão voltou então suas energias na direção leste: Pedro III tomou a Sicília em 1282; Córsega e Sardenha foram somadas ao reino; e aventureiros catalães capturaram o ducado de Atenas (foi mantido para os reis de Aragão durante a maior parte do século XIV). A hegemonia econômica de Aragão no Mediterrâneo igualava-se ao seu poderio militar, mas o excessivo expansionismo acarretou problemas demográficos; a economia debilitou-se e ocorreram sublevações, primeiro do campesinato, depois do proletariado urbano contra a nobreza e, finalmente, dos nobres contra a Coroa. Em 1410, o último rei em linha direta de sucessão dos condes de Barcelona morreu sem descendência varonil e, após um interregno de dois anos, subiu ao trono um príncipe da dinastia castelhana de Trastamara.

Afonso V, o magnânimo, realizou uma recuperação temporária mediante reformas sociais no país e expansão militar no estrangeiro. Tomou Nápoles em 1442 e aí estabeleceu sua corte, embora fracassasse a sua tentativa, cinco anos depois, de apoderar-se do norte da Itália. Após a morte de Afonso V, os conflitos internos agravaram-se com uma série de monarcas rivais e transitórios, e o reino de Nápoles separou-se do de Aragão. Em Castela, a gradual recuperação demográfica no século XV e a riqueza criada pelos grandes rebanhos ovinos da Mesta e pelos mercadores que transacionavam desde a Biscaia até a Andaluzia proporcionaram uma base para novas etapas de expansão; o primeiro passo na direção de um império atlântico foi dado quando as Ilhas Canárias foram colonizadas.

Só estava faltando uma liderança, e esta foi fornecida pelos Reis Católicos: Isabel, que subiu ao disputado trono de Castela em 1474, e seu marido Fernando, rei de Aragão desde 1479. Governaram seus dois reinos e prepararam-nos para a fusão; Navarra, desde há muito confinada a uma pequena região pirenaica, foi adicionada em 1512 a uma Espanha unida. Isabel e Fernando fomentaram a educação e o saber humanista; impuseram finalmente a autoridade da Coroa aos grandes nobres (embora à custa de lhes darem excessivo poder no reino); financiaram Colombo no que provou ser (para surpresa geral) a descoberta da América; e conquistaram Granada. O reino Nasrid tinha sobrevivido com fronteiras quase inalteradas desde 1350 e tornara-se cada vez mais um anacronismo na orla da Espanha cristã; tato diplomático e riqueza granadina preservaram o reino enquanto Castela não teve motivos convincentes para desencadear uma guerra total, mas os Reis Católicos não puderam tolerar mais o obstáculo que Granada representava para a sua visão do destino cristão do país.

A fronteira entre cultura medieval e cultura moderna é inevitavelmente mal definida, mas a convergência cronológica oferece-nos uma fronteira histórica de uma surpreendente precisão: num único ano (1492), Granada caiu, os judeus foram expulsos da Espanha, Antonio de Nebrija publicou a primeira gramática séria de qualquer vernáculo europeu, e Colombo reivindicou o Novo Mundo para os Reis Católicos. No final do ano, a Espanha estava irrevogavelmente transformada; estavam lançados os alicerces do Império, mas com uma intolerância que, em última instância, debilitaria toda a estrutura. (DIM)

DIcionário da Idade Média