Ao nos referirmos em outra ocasião sobre o que a doutrina hindu denomina simbolicamente “o Éter no coração”, indicamos que essa designação, na realidade, corresponde ao Princípio divino que reside, ao menos virtualmente, no centro de cada ser. O coração, tanto aí quanto nas demais doutrinas tradicionais, é considerado de fato como representação do centro vital do ser, e isso no sentido mais completo que se possa conceber, pois não se trata unicamente do órgão corporal e da sua função fisiológica; essa noção se aplica de igual modo, por transposição analógica, a todos os pontos de vista e a todos os domínios alcançados pelas possibilidades do ser considerado, do ser humano por exemplo, já que o seu caso, pela simples razão de ser o nosso, é evidentemente aquele que nos interessa de forma mais direta.
Para voltarmos ao “Éter no coração”, um dos textos fundamentais a seu respeito é o seguinte: “Nessa morada de Brahma (isto é, no centro vital que estamos tratando) há um pequeno lótus, uma habitação na qual existe uma pequena cavidade (danará) ocupada pelo Éter (Akasha); devemos buscar o que está nesse local, e o conheceremos”. O que assim reside no centro do ser, não é simplesmente o elemento etéreo, princípio dos quatro elementos sensíveis, como poderiam acreditar aqueles que se detivessem no sentido mais exterior, ou seja, que se refere unicamente ao mundo corporal, e no qual esse elemento desempenha por certo a função de princípio, visto que a partir dele, por diferenciação das qualidades complementares (aparentemente opostas em sua manifestação exterior) e pela ruptura do equilíbrio primordial em que estavam contidos no estado “indistinto”, foram produzidas e desenvolvidas todas as coisas desse mundo. Nesse caso, porém, trata-se apenas de um princípio relativo, da mesma maneira que o próprio mundo é relativo e não passa de um modo especial da manifestação universal. Mas não é menos verdadeiro que essa função do Éter, enquanto primeiro dos elementos, é o que torna possível a transposição que nos interessa efetuar.
(…) o Éter só está aí designado enquanto suporte para essa transposição, pois se não se tratasse de alguma coisa além do que as palavras empregadas exprimem de forma literal e imediata, não haveria evidentemente nada a ser buscado. O que se busca é a realidade espiritual que corresponde analogicamente ao Éter, sendo este, por assim dizer, a sua expressão no mundo sensível. O resultado dessa busca é o que propriamente se designa por “conhecimento do coração” (harda-vidya), que também é, ao mesmo tempo, o “conhecimento da cavidade” (dahara-vidya), equivalência que se explica no sânscrito pelo fato de que as palavras correspondentes (harda e dahara) são formadas pelas mesmas letras, só que numa ordem diferente. É, em outros termos, o conhecimento do que há de mais profundo e mais interior no ser. (Guénon)