eternidade

Costuma entender-se este termo em dois sentidos: em sentido comum, segundo o qual significa o tempo infinito, ou a duração infinita, e em sentido mais filosófico, segundo o qual significa algo que não pode ser medido pelo tempo, pois transcende o tempo. Segundo Platão (TIMEU), da essência eterna dizemos por vezes que foi, ou que será, mas na verdade só podemos dizer dela que é. Com efeito, o que é imóvel não pode vir a ser mais jovem nem mais velho. Da eternidade se diz que é sempre, mas deve salientar-se mais o e do que o sempre. Por isso não se pode dizer que a eternidade é uma projeção do tempo no infinito. O tempo é, antes, a imagem móvel da eternidade, isto é, uma imagem duradoura do eterno que se move de acordo com o número. Deste modo se admite o contraste entre o eterno e o sempiterno ou duradouro. Mas que a eternidade não seja simplesmente a infinita perduração temporal não quer dizer que seja algo oposto ao tempo. A eternidade não nega o tempo, mas acolhe-o, por assim dizer, no seu seio, o tempo move-se em eternidade, e é o seu modelo. Plotino recolheu e elaborou estas ideias mas teve também em conta a doutrina aristotélica.. Aristóteles parece ater-se, todavia, à concepção mais comum da eternidade, segundo a qual esta é tempo que perdura sempre. Mas ao acentuar que carece de princípio e de fim, e sobretudo ao manifestar que o eterno inclui todo o tempo e é duração imortal e divina (SOBRE O CÉU), usou também a contraposição mencionada no início deste artigo. Ora, Plotino insistiu ainda mais na tese platônica. Mas, de repente, a eternidade não pode reduzir-se à mera inteligibilidade nem ao repouso (ENÉADAS); além destes caracteres, a eternidade possui duas propriedades: unidade e indivisibilidade. Uma realidade é eterna quando não é algo no momento e algo diferente noutro momento, mas quando o é tudo ao mesmo tempo, isto é, quando possui uma “perfeição indivisível”. A eternidade é, por assim dizer, o momento de absoluta estabilidade da reunião dos inteligíveis num ponto único. Por isso, como em Platão, não se pode falar nem de futuro nem de passado; o eterno encontra-se sempre no presente; é o que é e é sempre o que é. Daí as definições caraterísticas: “a eternidade não é o substrato dos inteligíveis, mas de certo modo a irradiação que procede deles graças a essa identidade que afirma de si mesma, não com o que virá a ser depois, mas com o que é”. O ponto em que se unem todas as linhas e que persiste sem modificação na sua identidade não tem porvir que não lhe esteja já presente. Por certo que tal ser não é tão pouco o ser um presente; nesse caso, a eternidade não seria senão representação da fugacidade. Ao dizer que o eterno é o que é, pretende-se dizer, em última instância, que possui em si a plenitude do ser e que passado e futuro se encontram nele como concentrados e recolhidos. Por outras palavras, a eternidade é “o ser estável que não admite modificações no porvir e que não mudou no passado”, pois “o que se encontra nos limites do ser possui uma vida presente ao mesmo tempo plena e indivisível em todos os sentidos”. Enquanto o eterno é um ser total não composto de partes, mas antes engendrador dessas partes, distingue-se do engendrado; uma vez que o engendrado segrega o devir, o engendrado perde o seu ser enquanto se se outorgar um devir ao não engendrado sofre uma queda do seu ser verdadeiro. Daí que os seres primeiros e inteligíveis não tendam para o porvir para ser; estes seres são já a totalidade do ser: nada possuem, pois estão, por assim dizer, plenamente em si mesmos, de modo que em vez de dependerem de outra coisa para continuarem a subsistir, subsistem no seu próprio ser. A eternidade é “a vida infinita”; portanto, a vida total que nada perde de si mesma. E daí que o ser eterno se encontre, como diz Plotino, nas proximidades do Uno, de tal modo que, seguindo a sentença platônica, pode dizer-se que “a eternidade permanece no Uno” (TIMEU). Em rigor , não se deveria dizer da natureza eterna que é eterna, mas simplesmente que é, que é verdade. “Pois o que é, não é distinto do que é sempre, no mesmo sentido em que o filósofo não é diferente do filósofo verdadeiro”. Por outras palavras, “o que é sempre deve tomar-se no sentido de: o que é verdadeiramente”. O tempo é, por isso, queda e imagem da eternidade, a qual não é mera abstração do ser temporal, mas fundamento deste ser. A eternidade é o fundamento da temporalidade. A meditação de Santo Agostinho, segue uma via parecida. A eternidade não pode medir-se pelo tempo, mas não é simplesmente o intemporal: “a eternidade não tem em si nada que passa; nela está tudo presente, o que não acontece com o tempo, que nunca pode estar verdadeiramente presente”. Por isso a eternidade pertence a Deus num sentido parecido àquele em que, em Plotino, pertence ao mundo. Também se distinguiu entre a sempiternidade, que decorre no tempo, e a eternidade, que constitui o eterno que está e permanece. A eternidade é a posse inteira, simultânea e perfeita de uma vida interminável. S. Tomás aprovou esta definição e defende-a contra aqueles que objetaram a simultaneidade; segundo eles, a eternidade não pode ser omnissimultânea, pois quando as Escrituras se referem a dias e a épocas na eternidade, a referência é no plural. S. Tomás alega, entre outras coisas, que a eternidade é omnissimultânea precisamente porque, da sua definição, precisa de se eliminar o tempo. Assim se torna possível distinguir rigorosamente entre a eternidade e o tempo: a primeira é simultânea e mede o ser permanente; o segundo é sucessivo e mede todo o movimento. Durante a época moderna, tratou-se o conceito de eternidade em sentidos semelhantes aos postos em relevo pelos filósofos medievais. Espinosa indica (ÉTICA), que entende por eternidade “a própria existência na medida em que se concebe necessariamente como decorrendo apenas da definição da coisa eterna”, e acrescenta que tal existência não se pode aplicar mediante a duração ou o tempo, embora se conceba a duração sem princípio nem fim. Outros pensadores, com Locke, examinaram a noção de eternidade do ponto de vista da formação psicológica da sua ideia; Locke afirma (ENSAIO SOBRE O ENTENDIMENTO HUMANO) que a ideia de eternidade procede da mesma imprecisão original de que surge a ideia de tempo (ideia de sucessão e duração), mas procedendo até ao infinito (e concebendo que a razão subsiste sempre com o fim de ir mais longe). Deste modo, Locke tendeu a conceber a eternidade como uma ideia de tempo sem princípio nem fim e, portanto, a usar o método de entender o eterno como ampliação do temporal até ao infinito. EU — Referir-nos-emos a dois problemas fundamentais postos por este conceito: 1) — os planos em que se trate a questão do eu. 2) — as doutrinas sobre a índole do eu. 1) — Em termos gerais, costuma tratar-se a questão do eu em três níveis diferentes, mas que não estão absolutamente separados: 1) o plano psicológico: Neste caso, o termo eu designa a realidade à qual se referem todos os fatos psíquicos. Este referir-se pode ser interpretado de muitas maneiras. Por um lado, trata-se de uma referência análoga à que existe entre os acidentes e a substância; os fatos psíquicos seriam então acidentes que inerem a um eu concebido substancialmente. Por outro lado, trata-se da referência dos fatos à unidade dinâmica deles. Esta unidade pode ser compreendida, por sua vez, de muitas maneiras. Mas todas estas interpretações ultrapassam a consideração meramente psicológica. Na verdade, o eu psicológico é o chamado “eu empírico”; ao lado dele fala-se de um eu não empírico, mas puro ou transcendental. Tal é o caso de Kant. 2) o plano gnoseológico: Kant ilustra insuperavelmente o modo de considerar o eu no plano da teoria do conhecimento. Considera o eu como a unidade que acompanha todas as representações, como o “eu penso” que constitui a percepção pura. O eu, gnoseologicamente falando, é a unidade transcendental da percepção, unidade cujo carácter objetivo a distingue da unidade subjetiva da consciência. Mas este eu é simplesmente um eu para o conhecimento. Na medida em que se põem a Kant os problemas derivados da passagem da razão teórica à razão prática, torna-se-lhe impossível manter a pura concepção da unidade transcendental perceptiva. Então torna-se necessário incluir o eu numa realidade mais ampla que em vez de preceder a sociedade e a história é a própria história. 3) o plano metas: O idealismo alemão, e em especial Fichte, entendeu o eu metafisicamente. Fichte concebe o eu como a realidade anterior à divisão em sujeito e objeto, como a realidade que se põe a si mesma e, com isso, põe o seu oposto. Este eu é algo capaz de conter a consciência empírica como forma particular dele mesmo, mas ao mesmo tempo não pode Fichte evitar as complicações psicológicas do conceito. 2) — Três são as opiniões fundamentais que se têm posto sobre a índole do eu: 1) a dos que continuam aderindo às concepções clássicas segundo as quais o eu é uma substância, tanto se esta é considerada como uma “alma substancial” como se se lhe atribuem os caracteres da coisa. 2) A dos que negam toda a substancialidade ao eu e sustentam que o eu é um epifenômeno, ou uma pura função, ou um complexo de impressões ou de sensações. 3) A dos que procuram uma solução intermédia, quer por meio de uma combinação eclética, quer fundando-se num princípio diferente. Pode seguir-se o rasto das três opiniões em muito diversos períodos da história da filosofia ocidental. (DFW)

DIcionário da Idade Média