Fausto

A lenda de Fausto nos mantém neste ambiente de ascenção espiritual. Teve como ponto de partida a vida movimentada de dois personagens sobre os quais possuímos dados tão precisos quanto confusos, e que fascinaram os maiores espíritos, de Marlow a Valéry.

“Na qualidade de herói mítico, Fausto reuniu vários caracteres comuns a seus ilustres predecessores. Como Hamlet, estudou em universidades alemãs e também carrega uma neurastenia erudita e morosa. Como D. Juan, é um gozador egoísta n orgulhoso, mas curioso das mais elevadas verdades. Como Ulisses, torna-se retrospectivamente apaixonado por Helena de Esparta, e como Orfeu, conseguirá descer aos Infernos.

Tendo prosseguido em Carcóvia cursos de “ciência pura”, sabe evocar os demônios e é o autor de um tratado de Magia Negra, onde conta suas relações com um dos sete príncipes infernais, Mefistófeles, cujo nome associa os de Hermes, de Trimegisto e do anjo de Saturno (tris magistros Ophiel).

Um de seus contemporâneos, o famoso Tritemo, contá-nos tê-lo encontrado numa povoação de Hessois. Apresenta-se a si próprio como o senhor Jorge Fausto Júnior, príncipe dos necromantes, astrólogos, mágicos, quiromantes, especialistas da hidromancia. Tendo assumido o nome de João Fausto (supondo-se que se trate do mesmo homem), fez cursos nas universidades de Heidelberg e Erfurt, e, depois de ter percorrido a Alemanha, acaba morrendo numa vila de Brisgau de maneira misteriosa e trágica.

Mas o que faz dele um herói protótipo da busca indefinida do poder e da ciência é o seu papel de grande inventor da imprensa, comandatário de Gutenberg, contra o qual teve um processo que acabou por ganhar. Sua lenda se deve aos monges ameaçados de falência em sua indústria de copistas por uma invenção que qualificavam de “diabólica”. J. Fausto teria impresso seu primeiro livro em Frankfurt e deixou sua primeira imprensa em Mayence, onde teria colaborado com Gutenberg. Teria oferecido a Luís XI uma Bíblia de sua fabricação, e deixado a seu discípulo Christophe Wagner duas casas que possuía em Wittenberg.

Essa lenda, cujo herói persegue como Adão no Paraíso a ciência do bem e do mal, como confirma René Guénon, foi a fonte que serviu à fixação do ritual de iniciação dos primeiros companheiros tipógrafos. [Benoist]

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