Este é o grande absurdo: que os homens vivam sem fé e de uma maneira desumanamente horizontal, em um mundo no qual, no entanto, tudo que a natureza lhe oferece testemunha do sobrenatural, do mais além, do divino; da primavera eterna.
A fé é dizer sim a Deus. Quando o homem diz sim a Deus, Deus diz sim ao homem.
A fé estamos fora do tempo.
O arquétipo divino da fé é o “sim” que Deus se diz a Si mesmo; é o Logos que por uma parte reflete a Infinitude divina e por outra a refrata.
Se a fé é um mistério, é que sua natureza é inexpressável na medida em que é profunda, pois não é possível dar conta totalmente com palavras desta visão que, todavia, é cega e desta cegueira que já vê.
O incrédulo, na terra, não crê mais que o que vê; o crente, no Céu, vê tudo o que crê.
Crer em Deus é tornar a ser o que somos; tornar a sê-lo na medida mesma em que cremos e em que o crer se converte em ser.
Há que se caminhar reto sobre a crista da fé, sem olhar nem a direita nem a esquerda nos abismos do mundo, e dizer “sim” ao Bem Supremo que ilumina nosso caminho e que é sem fim.
Se poderia dizer que a fé é aquilo que faz que a certeza intelectual se converta em santidade, ou que é o poder realizador da certeza.
Humanamente, ninguém escapa à obrigação de crer para poder compreender. (Schuon PP)
É claro que a Revelação requer fé; porém, é menos evidente que a Intelecção também a exige à sua maneira, e isso até parece paradoxal, uma vez que o Intelecto por definição comporta a convicção. Mas a convicção comporta graus do ponto de vista da assimilação ou da integração, ou então da sinceridade, se quisermos; credo ut intelligam, mas também: intelligo ergo credo. No primeiro caso, a fé consiste em aceitar a verdade apreendida pelo exterior e em aceitá-la de modo instintivo, volitivo e sentimental; no segundo caso, a fé consiste não em aceitar a evidência, o que seria um pleonasmo, mas em fazê-la penetrar em todo o nosso ser, o que também envolve — como na fé religiosa — a vontade e o sentimento. A respeito deste último, convém especificar que esta faculdade só é censurável quando usurpa a inteligência e se opõe à realidade, e não quando prolonga a primeira e serve à segunda, que é a sua função normal. Se o sentimento fosse ilegítimo, a verdade também o seria, e não conviria procurar a beleza e o amor até em sua fonte divina.
E, neste caso, lembremos a seguinte verdade axiomática: o fato humanamente inevitável de a Intelecção utilizar-se do racionalismo não significa que ela se identifica com este último. Todavia, o raciocínio correto e baseado em dados suficientes pode ser a origem ocasional de uma determinada Intelecção, exatamente como pode sê-lo um símbolo qualquer da natureza ou da arte. O pensamento relativamente adequado, mesmo hesitante, pode dar origem a uma tomada de consciência segundo uma dimensão totalmente diferente do encadeamento das operações mentais, pois, comparado à Intelecção, oferece um simbolismo e um ponto de referência; e a função de todo símbolo é romper a camada de esquecimento que envolve a ciência imanente ao Intelecto. A dialética intelectual, assim como o símbolo sensível, é um véu transparente que, por ocasião do milagre da relembrança, rasga-se e revela uma evidência que, sendo universal, brota do nosso próprio ser, que não existiria se não fosse Aquele que é. (Schuon – EPV)