Sem sombra de dúvida, é evidente a relação do templo e do aspecto feminino da criação, o que nos leva a umas breves reflexões. Conforme diz o Sefer ha-Zohar, é a terra que recebe as águas do macho, que é o céu; o templo, a mulher, a terra, caracterizam-se pela fecundação através da chuva do céu (a Torah indica chuva ou rega), sendo portanto o recipiente, o lugar no qual se abriga o que desce do céu, o que acolhe o conteúdo/Deus. Para criar, Deus precisa fixar-se, uma necessidade resolvida pela mulher, o templo, o complemento de Deus. Vemos idêntico sentido no Adão do Paraíso, que precisa de seu complemento para poder criar.
Os índios Sioux, da América do Norte, contam o mito da descida do Cachimbo Sagrado (cachimbo da paz) e oferecem uma bela imagem do sentido de complemento do um/primeiro com o dois/mulher. Segundo este mito, uma mulher muito bela, vestida em peles de gamo, aparece ao povo Sioux, descendo do céu, para oferecer o Cachimbo Sagrado, já que “nenhuma coisa boa pode ser feita pelo homem sozinho” e, graças ao Cachimbo que ela traz, eles poderão ser orientados para o verídico. Diz a mulher sagrada a Chifre Oco de Pé, o chefe sioux: “Com este Cachimbo, caminhareis na terra, pois a terra é vossa mãe e avó, sendo sagrada. Cada passo dado sobre ela, deveria ser como uma oração. O fornilho deste Cachimbo é de pedra vermelha, é a terra…” Por meio dos vegetais queimados no fornilho do Cachimbo, é criada a fumaça que unirá a terra ao céu e lhe renderá graças.
A Mãe Terra é, portanto, consubstancial à origem da criação, como a dualidade é consubstancial ao corte, à separação primordial; é assim que começa a Bíblia: “No princípio, Deus criou os céus e a terra.” (Gen. 1-1). A criação é a formação dos dois reinos, de modo que a terra, o aspecto feminino da separação de Deus, procurará reunir-se outra vez a seu complemento. Aquilo que é o princípio indissolúvel da queda, ao mesmo tempo é o princípio pelo qual se torna possível superar a queda e retornar à reunião com Deus. Não se pode compreender o religamento no Um, sem passar pela Mãe, pelo Templo. Este é o sentido do Templo como o Santuário, o recipiente puro, virgem, para poder abrigar a presença de Deus. Dizemos que a Virgem Maria é a mãe de Deus; mistério da dualidade, mistério do templo. O templo regenerado, que a princípio parece ter de ser um templo estritamente espiritual, a partir da reflexão sobre o aspecto feminino, transforma-se em um templo real, formado e coagulado nas entranhas da mulher/mãe. A Virgem é criada por Deus mas, ao mesmo tempo, é a Mãe de Deus; como diz um tratado hermético anônimo, “A palavra escondida”: “A mãe que ME gerou, foi gerada por mim.”
Em seu caráter de complementaridade de Deus e do homem, o templo verdadeiro é o veículo que separa o Criador e as criaturas, assim como o meio que volta a uni-los.
Não podemos falar do templo sem falar da terra, da matéria, daquilo que é fixo e modela os corpos e que, em definitivo, dá forma ao volátil do céu, através do logos do universo; o dois, complemento do um, é a Sofia dos teósofos autênticos.
Escreve H. Stéphane: “No processo inverso de retorno do manifestado ao não-manifestado, dentro do ‘mistério da redenção’ ou da ‘regeneração espiritual’, teremos o par Espírito Santo e a Virgem Maria ou, mais particularmente, ‘Cristo-Igreja’ ou, ainda, ‘Novo Adão-Nova Eva’, para que preside o novo nascimento, como o casal Adão- Eva se encontra no princípio do nascimento comum. Vemos aqui, nitidamente, o papel da Virgem como ‘co-redentora’ ou ‘medianeira de todas as graças’ ou ‘mãe dos homens’ (…) Maria, substância plástica universal, matéria prima, mater, ‘águas primordiais’,, água saída do lado de Cristo, água do batismo, banho de regeneração, Madre Igreja, ‘lugar da regeneração’, esposa saída do lado de Cristo, Nova Eva…” (Arola)