Não é certamente “por acaso” que tantas mentalidades estão hoje atormentadas pela ideia do “fim do Mundo”. Podemos lamentá-lo em certo sentido, porque as extravagâncias a que esta ideia mal compreendida dá origem, as divagações “messiânicas” que são a sua consequência em diversos meios, todas estas manifestações provenientes do desequilíbrio mental da nossa época, só fazem agravar ainda mais este mesmo desequilíbrio em proporções que não são absolutamente negligenciáveis; mas enfim, é certo que temos aí um fato que não nos podemos dispensar de ter em conta. A atitude mais cômoda, quando se constatam coisas deste gênero, é certamente a de afastá-las pura e simplesmente sem outro exame, e tratá-las como erros ou divagações sem importância. No entanto, eu penso que mesmo que se trate efetivamente de erros, mais vale denunciá-los como tal e procurar as razões que os causaram e a parte de verdade mais ou menos deformada que se pode encontrar neles, apesar de tudo. Pois, visto que o erro tem um modo de existência puramente negativo, o erro absoluto não será encontrado em parte alguma e trata-se apenas de uma expressão vazia de sentido. Se consideramos as coisas desta maneira, percebemos facilmente que essa preocupação do “fim do Mundo” está estreitamente ligada ao estado de inquietação geral no qual vivemos atualmente: o pressentimento obscuro de qualquer coisa que está efetivamente prestes a acabar, agindo sem controle sobre algumas imaginações, produz naturalmente nelas representações desordenadas, na maior parte das vezes grosseiramente materializadas e que, por seu turno, se traduzem exteriormente pelas extravagâncias que acabei de mencionar. Mas esta explicação não é uma desculpa que as favoreça; ou, pelo menos, se podemos desculpar aqueles que caem involuntariamente no erro por estarem predispostos a isso por um estado mental de que não são responsáveis, isso não seria nunca uma razão para desculpar o erro em si mesmo. Aliás, no que ME diz respeito, certamente não é possível acusar-ME de indulgência excessiva em relação às manifestações “pseudo-religiosas” do Mundo contemporâneo, ou aos erros modernos em geral; sei, inclusive, que alguns seriam mais tentados a fazer-ME a acusação contrária. Talvez o que eu digo aqui lhes faça compreender melhor como encaro estas coisas, esforçando-ME por ME colocar sempre no único ponto de vista que interessa, o da verdade imparcial e desinteressada.
Não é tudo: uma explicação simplesmente “psicológica” da ideia do “fim do Mundo” e das suas manifestações atuais, por justa que seja na sua ordem, não poderia passar aos meus olhos por plenamente suficiente; ficar por aí seria deixar-ME influenciar precisamente por uma dessas ilusões modernas contra as quais ME levanto em todas as ocasiões. Como eu dizia, alguns sentem confusamente o fim iminente de qualquer coisa cuja natureza e alcance não podem definir exatamente; é necessário admitir que eles têm uma percepção muito real, embora vaga e sujeita a falsas interpretações ou a deformações imaginativas, visto que, qualquer que seja esse fim, a crise que deve forçosamente conduzir a ele é bastante visível, e numerosos sinais inequívocos e fáceis de constatar conduzem igualmente à mesma conclusão. Este fim não é, sem dúvida, o “fim do Mundo”, no sentido total em que alguns o querem entender, mas é, pelo menos, o fim de um mundo; e se o que deve acabar é a civilização ocidental na sua forma atual, é compreensível que aqueles que se habituaram a não ver coisa alguma fora dela, a considerá-la como “a civilização” sem epíteto, julguem facilmente que tudo acabará com ela, e que, se ela desaparecer, será realmente o “fim do Mundo”.
Direi, então, para remeter as coisas às suas justas proporções, que parece que nos aproximamos realmente do fim de um Mundo, ou seja, do fim de uma época ou de um ciclo histórico que pode, além disso, estar em correspondência com um ciclo cósmico, segundo o que ensinam a esse respeito as doutrinas tradicionais. Já houve no passado muitos acontecimentos desse tipo, e sem dúvida haverá ainda outros no futuro; acontecimentos de importância desigual, aliás, pois encerram períodos mais ou menos extensos e dizem respeito ora a todo o conjunto da Humanidade terrestre, ora apenas a uma ou outra das suas partes, uma raça ou um povo determinado. É de supor, no estado atual do Mundo, que a mudança que ocorrer terá alcance muito geral, e que, seja qual for a forma de que vai se revestir – que não pretendo tentar definir – afetará mais ou menos a Terra inteira. Em todo o caso, as leis que regem tais acontecimentos são aplicáveis analogamente a todos os graus; tudo o que é dito do “fim do Mundo”, num sentido tão completo como é possível conceber, e que, aliás, comumente só diz respeito ao Mundo terrestre, é também verdadeiro, guardadas todas as proporções, quando se trata simplesmente do fim de um Mundo qualquer, num sentido mais restrito. (Guénon – Crise do Mundo Moderno)