fotismos

Temos, pois, resumidas as seguintes ideias principais:

1. A “separação” entre espírito divino (luz) e matéria (trevas do demônio) é um tema dominante no pensamento religioso e filosófico e nas técnicas místicas da época helenística e dos primórdios do Cristianismo, embora possa ser observada mais cedo, no Irã e na Pérsia.

2. Aproximadamente nesse mesmo período, as equações Deus (espírito) = luz e homem primordial (espírito, pneuma) = luz tornaram-se extremamente populares entre os gnósticos, mandeus, herméticos e maniqueístas. Ambas as equações parecem ser características do Zeitgeist helenístico e diferentes das concepções espirituais existentes da Grécia antiga ou defendidas pelo Velho Testamento e pelo Cristianismo.

3. Para os gnósticos e maniqueístas, a redenção equivale a recolher, utilizar e levar até o céu as centelhas de luz divina que se encontram dispersas na matéria viva e principalmente no corpo humano.

4. Embora conhecida por algumas outras seitas gnósticas, a equação luz divina = pneuma tem uma função central somente entre os fibionitas (e seitas relacionadas com eles) e entre os maniqueístas. Contudo, enquanto os últimos, por motivo dessa equação, desprezavam o ato sexual e preconizavam um severo ascetismo, os fibionitas entregavam-se às mais abjetas práticas sexuais e praticavam a absorção sacramental do semen virile e do fluxo menstrual, tendo o cuidado apenas de evitar a gravidez. Da mesma forma, orientações opostas – extremo ascetismo de um lado e rituais orgiásticos de outro – são observáveis na India desde a época dos upanixades; e, novamente apenas na India, entre algumas seitas tântricas e xaivas, pode ser encontrado o ritual de se comer as secreções genitais (ver p. 110-112).

5. Experiências extáticas de luzes multicoloridas durante o maithuna são documentadas por alguns autores tântricos (ver p. 110-11). Tucci infere, daí, influências maniqueístas; mas experiências semelhantes de fotismos, envolvendo cores diferentes, numa ordem específica, são frequentes durante as meditações iogues (ver p. 107-8). Essas experiências são também conhecidas na ioga e na alquimia taoísta e, no Tibete, acredita-se serem elas percebidas durante e imediatamente após a agonia da morte (ver p. 111).

6. Fotismos causados pela relação sexual e, de modo geral, experiências de cores “Místicas” diferentes não são documentados nos textos gnósticos que temos; a única referência importante que conhecemos é a viagem extática descrita no Paraphrase of Shem (número 27 na biblioteca descoberta em Chenoboskion). Relembrando as visões de sua ascensão extática, Shem discorre sobre as nuvens de várias cores pelas quais passou: “assim, a nuvem do Pneuma é como um berilo sagrado; a nuvem do Hymen é como uma esmeralda resplandescente; a nuvem do Silêncio é como um amaranto encantador; e a nuvem do Mesotes é como um jacinto puro”.

A experiência extática de luzes multicoloridas terá um função importante no misticismo islâmico, principalmente entre os ismaelitas, cujas relações com a gnose helênica e as tradições iranianas foram defendidas de modo convincente por Henry Corbin. Experiências de fotismos foram presenciadas entre os sufis desde o início da seita. Contudo, é especialmente com Najmoddin Kobrâ (1220) que visões de luzes diferentes começaram a ser sistematicamente descritas e interpretadas como momentos específicos de um itinerário extático. Basta ler as passagens do grande trabalho de Najmoddin Kobrâ, Fawâ ih aljamâl wa fawâtihal jalál ( = Les Eclosions de la beuaté et les parfums de la Majesté), traduzido e interpretado de maneira brilhante por Corbin, para compreender que estamos diante de uma nova e grandiosa revalorização da famosa experiência de luzes místicas multicoloridas. Contudo, pelo que posso avaliar a partir do material apresentado e discutido por Corbin, o valor “seminal” da Luz parece ter sido ignorado, embora os temas cosmogônicos e cosmológicos estejam ainda presentes.

(…)

Finalmente, o exemplo dos desanas mostra-nos em que sentido e grau as experiências extáticas, alucinatórias ou não, podem contribuir para o enriquecimento e reestruturação de um sistema religioso tradicional. Parece-nos que a série de equivalências luz-espirito-sêmen-deus, etc, permanece aberta; ou seja, as experiências fóticas originais básicas são suscetíveis de reformulação quanto ao significado. Além do mais, cremos também que as experiências de fotismos não podem ser atribuídas a um único agente; cito, entre outros, o extremo ascetismo, o ato sexual, as práticas de ioga ou outras do tipo contemplativo; as explosões fóticas espontâneas; as técnicas heroicas e busca do “calor místico”; a meditação sistemática sobre o fogo, a luz solar e a criatividade; as visões extáticas e sob efeito de alucinógenos. Afinal, o que importa é o significado religioso que se atribua às experiências de luz interior. Em outras palavras, não devemos buscar a “origem” dos fotismos de significação religiosa em “causas naturais” de fosfenos induzidos ou espontâneos. Podemos afirmar isto pela simples razão de que, conforme estudos recentes têm comprovado, (1) fosfenos de formas e cores diferentes são conhecidos em todo o mundo e (2) esses fosfenos podem ser induzidos por vários meios, desde a simples pressão sobre as pálpebras até as técnicas mais refinadas de meditação. O que interessa a um historiador de religiões e, na realidade, a um historiador tout court, são as inumeráveis valorizações das experiências de luz, ou seja, a criatividade da mente humana. (Eliade)