As atitudes em relação à heresia, assim como, na verdade, à rigorosa interpretação da ortodoxia, variaram de época para época no seio da Igreja cristã. Nos primeiros séculos da atual era, as controvérsias teológicas, revelando profundas diferenças raciais e sociais, gravitaram sobretudo em torno da natureza da Trindade e, mais especificamente, em torno da natureza da segunda pessoa da Trindade. Essas discussões continuaram perturbando a Igreja Ortodoxa Oriental, mas a Igreja ocidental aceitou, de um modo geral, o ortodoxo Credo de Niceia e esteve largamente imune a cisões de maior monta acerca de heresias desde o Concílio de Calcedônia (451) até o século XII.
Os primeiros hereges condenados à fogueira no Ocidente medieval foram 15 clérigos e monjas surpreendidos numa intriga palaciana em Orléans em 1022 e os membros de uma comunidade religiosa descoberta perto de Turim em 1028, cuja devoção ao Espírito Santo os levara a manter uma cadeia constante de oração e a não comer carne nem dormir com as esposas. A rápida propagação da pregação anticlerical durante o século XII foi acompanhada de um refinamento da definição de crença ortodoxa e de um endurecimento de atitudes para com os não-ortodoxos. Em 1184, a bula Ab Abolendum foi publicada numa tentativa de impor uniformidade e ortodoxia; ordenava aos bispos que procedessem a uma investigação anual (inquisitio) em suas dioceses e excomungassem não só os heréticos mas também as autoridades que não agissem contra eles. Após o Quarto Concílio de Latrão, tais medidas foram incorporadas à legislação secular, incluindo a do Império (1220), de Aragão (1223) e da França (1226). A partir de 1231, inquisidores subordinados diretamente à autoridade papal estiveram em atividade no Languedoc e em cidades italianas; em 1252 foram autorizados a recorrer à tortura para obter confissões, e sua ação estendeu-se à maior parte da Europa continental nos séculos seguintes. Advertidos por São Paulo de que “nos últimos tempos alguns se afastarão da fé… proibindo o matrimônio e o comer carne”, os bispos apressaram-se a interpretar as manifestações de entusiasmo espiritual leigo como um ressurgimento das antigas heresias de Mani e Ario, e a associá-las, com ou sem provas, à negação dos sacramentos e ao comportamento orgíaco que regularmente se atribuía aos hereges (desde os clérigos de Orléans até a preponderantemente mítica Irmandade do Livre Espírito do século XIV). Isso ajudou a criar um estereótipo do herege para a posterior caça às feiticeiras. Em 1143 foram descobertas em Colônia duas seitas em controvérsia pública. Ambas concordavam na espiritualidade ascética e na hostilidade à hierarquia eclesiástica, mas os membros de uma delas reivindicavam autoridade apostólica para a sua própria hierarquia. Eles se tornaram seguidores dos bogomilos búlgaros, cuja influência se estendeu nas quatro décadas seguintes aos Países Baixos e do Languedoc à Lombardia, criando as Igrejas cátaras, cuja característica teológica dualista (isto é, alicerçada na convicção da maldade essencial de todas as coisas criadas) foi reforçada pelo contato direto com as Igrejas bogomilas no mundo bizantino.
Os ensinamentos, organização e rituais refinados dos cátaros, e a influência exercida pela humildade e a austeridade pessoal de seus missionários de ambos os sexos, fizeram deles o alvo principal da Cruzada Albigense e da subsequente perseguição. Mas a tradição nativa era mais antiga e mais persistente. O apelo para a prática da pobreza apostólica e para a simplicidade da Igreja primitiva não foi menos poderoso na boca de pregadores heréticos como Tanchelmo na Flandres ou Pedro de Bruys na Provença (começo do século XII) do que tinha sido na dos profetas da reforma monástica e papal do século XI. Henrique de Lausanne (c. 1116-45) pôde organizar a resistência contra a expansão do papel do clero, especialmente no batismo, matrimônio, confissão e morte, dotando-a de um credo cuja coerência inspirou vasto e, por algum tempo, tenaz apoio no Languedoc. Se o ardor menos fundamentalmente anti-sacerdotal levava ou não à heresia, era em grande parte uma questão de oportunidade e de sensibilidade por parte da autoridade. Os valdenses, seita fundada por volta de 1176 por um comerciante de Lyon para resistir à disseminação do catarismo, foram empurrados para a heresia pela insistência episcopal em exercer o controle sobre a pregação deles e, sob a perseguição que lhes foi movida, tornaram-se cada vez mais radicais e implacavelmente antipapais em sua doutrina; os Humiliati lombardos, muito semelhantes aos valdenses em suas crenças e comportamento, foram anatematizados em conjunto com eles e outros em 1184, mas reintegrados como ordem religiosa por Inocêncio III, conquistando muitos prosélitos nas próprias cidades onde os cátaros estavam mais ativos.
A heresia popular não devia sua expansão à contaminação da Antiguidade ou do Oriente, nem a seus atrativos para os interesses desta ou daquela classe social. Doutrinariamente, sua tendência mais sólida e mais sistemática, expressa de forma completíssima por John Wycliffe, consistia em resistir à elaboração do ensino e do ritual, à elevação do clero acima do laicado, e ao poder secular da Igreja. Socialmente, heresia e ortodoxia também eram inseparáveis; cada uma definia a outra. Conforme sugere uma forte tendência para insistir na irmandade espiritual e econômica, a heresia era frequentemente adotada por aqueles que sofreram em consequência de mudanças sociais. Tanto os operários têxteis de Arras, no século XI, quanto os nobres da Florença do século XIII podiam ver a corrupção mundana manifestar-se no crescente poder dos mercadores, que eram certamente mais propensos a apregoar seu status cada vez mais alto pela devoção do que a pô-lo em risco manchando-o de heresia. Inversamente, as acusações de heresia tinham menos probabilidades de ser eficazes para sustar o avanço de tais grupos — embora isso fosse tentado, notoriamente contra a família Maurand de Toulouse — do que para evitar o ressentimento de seus rivais e vítimas.
As heresias mais obstinadas defenderam frequentemente a tradição contra a sacralização do casamento no século XII ou a institucionalização do espírito de São Francisco no século XIII. No entanto, por mais conservadora que fosse a inspiração dos pregadores heréticos, o próprio fato de a expressarem era uma solicitação de endosso popular contra a ordem estabelecida. A austeridade de suas vidas, assim como a eloquência de suas palavras, ofereciam a seus seguidores uma lealdade e solidariedade alternativas. Ninguém desafiou mais radicalmente essa ordem do que Amoldo de Bréscia, cujos adeptos arrebataram o controle de Roma ao papa na década de 1140, ou João Huss, que deu seu nome às mais sangrentas guerras do final da Idade Média. Tanto um quanto outro não foram culpados de erro doutrinário. (DIM)