Igreja irlandesa

Embora a tradição atribua a conversão dos irlandeses a São Patrício, ficou claramente provado que alguns missionários estavam trabalhando antes dele e que ele limitou sua atividade evangelizadora ao norte e centro da Irlanda. Entretanto, a importância de São Patrício é indiscutível e sobrevivem dois de seus escritos do século V. As igrejas e os sacerdotes que ele instalou estavam sob a jurisdição de alguns bispos, sem os centros urbanos que caracterizaram a Igreja continental.

No decorrer do século VI, a Igreja irlandesa começou mudando com a fundação de numerosos mosteiros, frequentemente com patrocínio real. As comunidades de Bangor, Clonfert, Derry e Durrow, Iniscealtra e Terryglass, Lismore, Moville e Killeedy já existiam no final do século VI ou começos do século VII. Muitas delas retiveram fortes ligações com as famílias de seus fundadores, que exerceram influência na nomeação de abades e, assim, na administração de seus bens. No decorrer desse movimento, alguns monges viajaram para terras estranhas, estabelecendo outras comunidades monásticas e entregando-se ao trabalho missionário. No século VIII, muitos mosteiros na própria Irlanda tinham se tornado excepcionalmente ricos, patrocinando a produção de obras de arte — missais e vasos de culto de grande esmero e requintado acabamento — e participando também na política. No final desse século, os abades dos principais mosteiros controlavam mosteiros menores e dependentes, por vezes muito dispersos, e se tornavam aos poucos mais poderosos do que os bispos a cuja jurisdição tinham estado originalmente sujeitos.

No final do século VIII e durante o século IX, seu envolvimento na política era tal que abades entraram em guerra, enquanto suas ligações com famílias aristocráticas eram tão estreitas que reis, por vezes, exerciam funções tanto clericais quanto seculares. Isso ocorreu de forma sumamente notória no caso dos reis de Munster, como, por exemplo, Olchobar, que foi abade de Emly e rei de Cashel em 848. Em contrapartida, alguns bispos esforçavam-se por afirmar sua superioridade sobre outros e a igreja de Armagh notabilizou-se pelas tentativas de estabelecer a hegemonia (à maneira de um suserano) sobre toda a Igreja irlandesa. Contentou-se inicialmente em dividir essa hegemonia com a igreja de Kildare mas, no século VIII, Armagh estava reivindicando para si jurisdição apelatória em toda a Irlanda e uma posição comparável à dos bispos de Roma na Itália. Essas pretensões não foram mantidas a longo prazo, embora Armagh continuasse sendo uma igreja poderosa.

Nesse meio tempo, alguns clérigos e monges tinham-se desiludido com a mundanalidade da Igreja e deflagraram uma campanha em prol de uma prática mais ascética. Esse movimento Culdee, como é conhecido, estava em franco progresso por volta de 800, especialmente associado a Tallaght; levou à fundação de casas mais ascéticas, por vezes em lugares muito isolados, à reforma da prática em algumas casas existentes e à produção de obras eremíticas de devoção. Tanto a linha poderosa quanto a ascética continuaram marcando a Igreja irlandesa até o século XI. Alguns dos mais elaborados cruzeiros esculpidos foram fruto do patrocínio e da habilidade do século X.

No final do século XI, o movimento de reforma continental começou a tocar a Irlanda; mas o grande avanço ocorreu em meados do século XII com a obra de São Malaquias (m. 1148); seus propósitos para a Igreja irlandesa frutificaram após sua morte quando, no Sínodo de Kells (1152), a Irlanda foi dividida em 4 arcebispados e 36 bispados. O novo movimento monástico passou a exercer influência e a conquista anglo-normanda (1169-72), liderada pelo conde Strongbow e Henrique II, colocou grande parte da Irlanda de um modo ainda mais direto na corrente principal da Cristandade ocidental. Catedrais foram construídas em típico estilo normando e fundaram-se novas e poderosas casas monásticas, sobretudo por parte dos cistercienses. No século XIII, foi especialmente encorajada a presença de frades mendicantes; e eles (sobretudo seus elementos mais pobres e mais ascéticos) conservaram boa reputação até o final do período medieval.

Nos últimos anos da Idade Média, a Igreja irlandesa continuou refletindo as divisões sociais da ilha, principalmente em decorrência das fronteiras linguísticas entre a fala inglesa e a guélica; porém, de um modo geral, harmonizou-se então com os usos da Igreja ocidental, mais do que ocorrera no começo da Idade Média. (DIM)

DIcionário da Idade Média