iluminação

Santo Agostinho não crê necessário demonstrar a existência de Deus. Demonstrar tal existência equivaleria a provar que a proposição “Deus existe” é verdadeira. Mas só em Deus está a verdade; mais ainda Deus é a verdade. Por conseguinte, todas as proposições que se percebem como verdadeiras são-no porque foram previamente iluminadas pela Luz Divina. Compreender algo inteligivelmmente equivale a extrair da alma a sua inteligibilidade; nada se compreende inteligivelmente que de algum modo não se saiba previamente. Com efeito, Santo Agostinho — seguindo nisto, por outro lado, ideias platônicas e neoplatônicas — considera que o que torna possível tal percepção do inteligível não é a reminiscência de um mundo das ideias, mas si, a irradiação Divina do inteligível. Em suma, há uma “luz eterna da razão”, que procede de Deus e graças à qual há conhecimento da Verdade. Assim, a iluminação Divina é o resultado de uma ação de Deus por meio da qual o homem não pode intuir o inteligível em si mesmo. O inteligível torna-se tal por estar banhado da Luz Divina, podendo por isso comparar-se à visão das coisas pelo olho; nada se veria se não estivesse previamente iluminado. A doutrina agostiniana da iluminação Divina oscila entre a ideia da iluminação do conteúdo das verdades inteligíveis e a ideia de uma iluminação da alma com o fim de que esta possa julgar da verdade das ideias inteligíveis. Neste último caso a iluminação torna possível o juízo verdadeiro enquanto verdadeiro. Não é fácil decidir acerca do conhecimento do sensível na iluminação Divina. Para Santo Agostinho a iluminação torna possível levar o sensível ao inteligível. Mas o modo como se leva a cabo esta direção para o inteligível do sensível não é sempre claro. A solução dada ao problema depende em grande parte da insistência que se ponha na atividade da alma. Quanto mais ativa é a alma, embora no nível da percepção do sensível, mais se destaca o papel da iluminação.

Muitas interpretações se têm dado da concepção agostiniana, especialmente em relação com a concepção de S. Tomás. As duas têm em comum não aceitarem que o homem possa ter ideia das coisas sensíveis sem a percepção sensível. Como também não aceitaram que o homem possa chegar a um conhecimento inteligível se a luz humana não for de algum modo uma “luz participada”; ao fim e ao cabo, tanto Santo Agostinho como S. Tomás admitem que o intelecto humano foi criado por Deus, e que o homem foi criado “à imagem e semelhança de Deus”. Mas há uma importante diferença entre ambas. S. Tomás supõe que há um entendimento ativo que ilumina a essência do sensível e o torna inteligível ao entendimento passivo. Obtém-se o conhecimento, portanto, mediante abstração dos inteligíveis nas coisas sensíveis. Em compensação, Santo Agostinho não introduz a ideia de um entendimento ativo. Além disso, embora não se separe o conhecimento do sensível, sustenta que a iluminação afeta primordialmente a ordem inteligível. S. Tomás interessa-se por averiguar o modo como se formam os conceitos, enquanto Santo Agostinho se interessa por descobrir o modo como se obtêm, compreende a verdade, ou as verdades, inteligíveis. (DFW)

DIcionário da Idade Média