Incas

As grandes culturas andinas, das quais a Inca (séc. XV) é a mais conhecida, surgiram nos altos vales das montanhas, povoadas há mais de dez mil anos. Na época da conquista espanhola, o império dos Incas cobre a imensa extensão da costa ocidental, do Peru ao Chile. O seu fim chega em 1532, quando o último soberano é decapitado pelos conquistadores.

A agricultura, que não parece ter sido precedida de uma economia pastoril, aparece sob uma forma primitiva na costa peruana por volta de 7000 a. C, três milênios após as migrações vindas do norte. Por volta de 2500 a. C, as alterações climáticas transformam a economia de colheita em horticultura sedentária. As proteínas animais não são fornecidas pela caça mas sim pela pesca. O milho, cujo antepassado na América Central tem mais de sessenta mil anos, propaga-se no Peru por volta de 1400 a. C. e uma variedade aperfeiçoada surge sensivelmente no ano 900 a. C. Nesta época, a irrigação, que permite a eclosão de uma agricultura avançada e o Estado, responsável por essa irrigação, influenciam-se mutuamente, sendo o seu surgimento possível graças a um culto religioso que exalta muito provavelmente a gênese mítica desta nova civilização sem rival na região. Esta época está ligada a um complexo cultural descoberto em Chavín, no planalto norte, enquanto o litoral meridional é dominado, na mesma época, por uma cultura que produziu uma enorme necrópole nas grutas de Paracas. Infelizmente, e à excepção dos monumentos, não há fontes históricas sobre o culto de Chavín, cujo significado nos permanece vedado. A sua divindade central, representada pela forma de um felino (jaguar ou puma), teve um sucesso limitado na área andina durante um período de quinhentos anos.

Todos os vestígios de homogeneidade cultural desaparecem precisamente nos Andes por volta de 300 a. C, enquanto as técnicas agrícolas continuam a aperfeiçoar-se através da utilização de novas plantas e da cultura em terraços. Uma só necrópole de Paracas, contendo 429 múmias de personagens importantes, indica que os ritos funerários e as crenças no além mudaram.

Por volta de 200 d. C, as culturas pertencentes a esta etapa intermédia parecem atingir o seu apogeu. Elas são teocráticas, restabelecem os direitos da divindade felina, praticam o sacrifício humano e manifestam o mesmo interesse obsessivo que os seus antecessores pelo crânio humano: ele é deformado metodicamente à nascença e frequentemente furado com o trépano durante a vida e na morte; os crânios dos adversários são coleccionados como troféus de guerra.

Sem serem superpovoados, os vales costeiros tinham uma população de uma dimensão superior à de hoje. Aí, vivia-se na abundância, animada por ideais religiosos aptos a produzir uma tecnologia avançada, capaz de realizar projetos cuja audácia roça o impossível, como o canal La Cumbre, de 113 quilómetros, que ainda hoje funciona.

Uma destas culturas, a dos Moches, constrói templos imensos, dos quais os mais conhecidos são duas pirâmides chamadas Templo do Sol e Templo da Lua. A cerâmica pintada diz-nos que os Moches praticavam a circuncisão e a cura xamanística das doenças pela sucção do espírito, manifestando-se assim como objeto tangível. Eles guiavam-se pelos ideogramas inscritos nas favas. A sociedade dos Moches era teocrática, sendo a casta dos guerreiros particularmente importante. O papel das mulheres era estritamente limitado ao lar.

A cultura costeira dos Nazcas, datando do mesmo período, deixou-nos inúmeros exemplares de troféus cranianos achatados, pintados e ligados em coroa para serem transportados. Os Nazcas produziram enormes desenhos em rochas ferrosas do vale de Palpa, destinados a serem contemplados do alto por qualquer divindade celeste, formando um código de conhecimentos astronômicos cujo sentido nos é geralmente desconhecido.

Sensivelmente no fim deste período, a civilização megalítica de Tiahuanaco (Bolívia) tem sobre as culturas andinas uma influência comparável à de Chavín numa época anterior. Os megalitos, construídos a 4000 m de altitude, formam um centro único no mundo, com pirâmides em terraços, portas com frisos, plataformas, reservatórios e estátuas. Quando foi abandonada, a construção não estava terminada.

Por volta do ano 1000 d. C, os Andes conhecem uma etapa de organização política que se assemelha ao feudalismo ocidental. O reino de Chimu, o mais importante deste período, forma-se no norte e estende-se por vários vales, cada um com o seu centro urbano. A sua capital Chanchán (perto de Trujillo) é um monumento de planificação urbana; abrigando mais de cinquenta mil habitantes, está dividida em dez bairros rectangulares, cada um com as suas casas, seus reservatórios de água e seus templos em forma de pirâmide.

A fundação do império dos Incas, pelo ano 1200 d. C, é atribuída ao herói mítico Manco Capac e às suas irmãs, que se instalaram no vale de Cuzco. O Estado inca só conheceu a sua expansão espetacular a partir do oitavo imperador, Viracocha Inca, e do seu filho Pachacuti, que lhe sucederia no trono por volta de 1438. Até à morte de Topa Inca, filho de Pachacuti, em 1493, o império tinha cinco mil quilômetros de comprimento, estendendo-se do Equador ao centro do Chile. A edificação deste império é comparável aos feitos de Alexandre e Napoleão. Mais surpreendente ainda é o fato de este território ter sido conquistado por um bando de aventureiros espanhóis.

A morte do imperador Huayna Capac, em 1525, foi seguida de uma guerra entre os seus dois filhos rivais: Huáscar (instalado em Cuzco) e Atahuallpa (instalado em Quito no Equador). Atahuallpa saiu vitorioso e foi proclamado soberano em 1532. Pizarro, atraído pelas histórias do ouro existente no Peru, tinha desembarcado com cento e oitenta homens. Aqui a religião está estreitamente ligada à história. Atahuallpa supunha que Pizarro era o grande deus Viracocha que voltava à terra com a sua comitiva para anunciar o fim do mundo. Pizarro aproveitou-se e fê-lo prisioneiro sem encontrar resistência. O imperador conseguiu reunir o resgate exigido enchendo a sua cela de ouro, mas não foi libertado. Condenado à morte, submeteu-se ao batismo cristão, o que lhe valeu ser estrangulado em vez de ser queimado vivo, no dia 29 de Agosto de 1533. O último pretendente ao trono inca foi decapitado quarenta anos mais tarde.

No império comunista dos Incas, a religião oficial – que era a mesma dos Quíchuas de Cuzco, provavelmente muito semelhante aos cultos menores que ela tinha assimilado – era determinada pelo Estado. Entre as três parcelas de terra que os agricultores eram autorizados a cultivar, a destinada aos deuses era a primeira; a seguinte era a do imperador e a restante era destinada à subsistência da família. Os objetos sagrados ou huacas das populações conquistadas eram transportados em procissão até Cuzco e colocados nos santuários onde continuavam a ser motivo de peregrinações a partir de províncias distantes. Mas a categoria dos huacas incluía tudo o estivesse investido de um carácter sagrado: as colinas, as pedras, as árvores, tudo o que havia de estranho, de monstruoso.

A organização do império dos Incas deixa por todo o lado a impressão de uma utopia racional, cujos escritos chegados à Europa pelo ano 1600 influenciaram o filósofo Tommaso Campanella. A Igreja dos Incas, pelo seu carácter altamente organizado, obedece à regra geral do sistema. No centro está o imperador, que é o Estado, a Lei, e que é Deus também. O próprio Huaca é igual Àquele que não tem igual, o Deus Viracocha, nascido da espuma do lago Titicaca e desaparecido na espuma do oceano, marchando para noroeste sobre as águas, direção de onde sugiram, em 1532, Pizarro e seus homens.

A metafísica de Viracocha é complexa. Ele é o criador do mundo natural e social, o que implica a sua ascendência ao panteão inca, no qual o Sol tem uma posição central. O maior templo de Cuzco é-lhe dedicado. Os templos dos Incas não eram abertos aos crentes. Eles eram o refúgio dos sacerdotes e das Virgens do Sol, escolhidas entre as raparigas mais puras, que eram instruídas à custa do Estado para se tornarem quer vestais quer segundas mulheres dos grandes dignitários ou do próprio imperador. Se o imperador «pecava» com uma vestal, bastava-lhe admitir a transgressão; mas qualquer outra pessoa era condenada à morte juntamente com a sua concubina.

O Sol era representado nos templos por estátuas antropomórficas e por enormes discos de ouro. Se o imperador era Filho do Sol, a imperatriz era Filha da Lua, irmã-esposa do Sol, venerada no templo sob a forma de estátuas antropomórficas de prata. Os Incas utilizavam geralmente um calendário lunar em paralelo com um solar.

Pachacamac, deus da terra, juntamente com a sua esposa infernal Pachamama, e Illapa, deus dos fenómenos meteorológicos, eram igualmente divindades importantes.

No topo da hierarquia eclesiástica havia um sumo sacerdote, parente próximo do imperador, rodeado de um conselho de nove homens, todos nobres. Um grande número de sacerdotes era delegado para inspecionar as províncias onde residiam os velhos guardiões dos huacas, sacerdotes voluntários, não dependentes do orçamento do governo central.

O templo não era um local de reunião. É nas praças públicas que ocorrem as cerimônias colectivas, frequentemente acompanhadas de sacrifícios de animais, com fins tanto propiciatórios quanto divinatórios. Mas os sacrifícios considerados como mais eficazes eram praticados com crianças de dez anos, escolhidas pela sua perfeição física e moral e felizes por serem diretamente expedidas para o além, reservado aliás aos nobres. Contrariamente aos costumes dos astecas, e mesmo dos maias, os sacrifícios humanos não eram frequentes entre os Incas. Sacrificava-se, mas ainda mais raramente, segundo técnicas que se assemelhavam às dos astecas, prisioneiros de guerra escolhidos entre os mais fortes.

Tal como no Egito, os sacerdotes dos Incas eram os administradores de tudo o que tinha a ver com a saúde, do «corpo político» do Estado ao corpo humano, acumulando assim as funções de sacrificador, adivinho e médico-xamã. Tal como os barus babilônicos, eles inspecionavam cuidadosamente as entranhas dos animais sacrificados, cuja leitura revelava o futuro. Mas praticavam também a cura de doenças pela sucção de um objeto que supostamente representava o agente patogênico que tinha produzido o desequilíbrio orgânico. Para além disso, eles conheciam a quiroprática e colocavam no sítio os órgãos deslocados, por manipulação externa, e eram sobretudo excelentes cirurgiões, capazes de efetuar operações delicadas como a trepanação, cujo verdadeiro objetivo nos escapa em muitos casos.

Infelizmente, a ausência de fontes escritas dos próprios Incas torna impossível um conhecimento mais aprofundado das suas teologias. A existência de «monges» e «monjas» (as vestais do Sol), assim como a prática da confissão secreta, tinham impressionado os espanhóis religiosos. Mas a subtileza da mentalidade inca, para sempre perdida, não nos chega senão através de frases dúbias, muito simples ou involuntariamente enganosas, de informadores estrangeiros. (Eliade e Couliano)

Tradição indígena