índio americano

O índio americano, como nos mostra a excelente obra de Elémire Zolla, Les Lettrés et le chaman (em italiano, 1969), foi sempre objeto de interpretações várias por parte dos colonizadores, que foram os destruidores da sua cultura. A maior parte destas interpretações, sublinha Zolla, não revelam nada sobre o índio propriamente dito, mas só sobre as concepções dominantes dos Euro-americanos nesta ou naquela época: puritanismo religioso, iluminismo, romantismo, exaltação do progresso (que tanto olha os indígenas com uma certa condescendência, como também com hostilidade). Estes pontos de vista têm geralmente em comum a ideia de que o índio demonstra pouco interesse pela civilização dos Europeus colonizadores, quer se trate das religiões ou das tecnologias. (Só uma excepção: alguns dos índios das Planícies, que a nossa imaginação moldada pelos westerns separa dificilmente dos seus cavalos, nunca tinham visto nenhum antes do século XVIII, quando vieram do México, mas com origem espanhola.) Tal seria só por si suficiente para as autoridades justificarem o genocídio. Os calvinistas holandeses, cujas descobertas na África do Sul ficaram célebres, não hesitam em tratá-los como bestas ferozes, e o governador Kieft institui um prêmio por cada escalpe de índio na Nova Holanda. Antes de serem ingleses, o Sul do estado de Nova Iorque e Nova Jérsia tinham sido limpos de todos os indígenas. Os ingleses adotariam o mesmo tratamento, mas aumentariam os prêmios: no Massachusetts, em 1703, um escalpe de índio valia 60 dólares, na Pensilvânia o escalpe de um macho valia 134 dólares e o de uma mulher 50 dólares, segundo uma lógica patriarcal deficiente, dado que é evidente que a taxa de crescimento de uma população depende das mulheres e não dos homens. Os índios da costa oriental que não foram deportados para oeste do Mississípi pelo presidente Andrew Jackson, no seguimento do Removal Act de 1830, que expulsava do território mesmo os pobres dos Cherokee, devidamente batizados e orgulhosos de terem imitado tão fielmente a civilização dos invasores. Sempre «selvagem», e ocasionalmente apenas «bárbaro», o índio, cujo símbolo eram agora os xoxones da Grande Bacia, apelidados Diggers (cavadores, comedores de raízes) pelo explorador Jodediah Smith em 1827, é suposto encontrar-se num estado deplorável em matéria de pobreza e higiene. Segundo o escritor romântico Washington Irving, mesmo os caçadores franceses, aliás bem mais favoráveis do que os puritanos a uma política de integração racial, não encontram nada de bom nos xoxones, aos quais se referem como dignos de piedade. Ninguém está ao abrigo dos equívocos mais atrozes: em 1861, o bom Mark Twain corrige o darwinismo a propósito dos índios, dado que os seus antepassados parecem descender não dos primatas, mas sim do gorila, do canguru ou do rato-da-noruega. E em 1867 o Weekly Leader de Topeka, digno herdeiro dos piedosos Holandeses, não vê senão um bando de infames bandidos, mandriões, fétidos, e descrentes, ao qual qualquer homem honesto não pode desejar senão a exterminação total: «A set of miserable, dirty, lousy, blanketed, thieving, jaithless, guteating skunks as the Lord everpermitted to infect the earth and whose immediate and final extermination all men, save Indian agents and traders, should pray for». Esta oração, que era também na época a do general William Sherman, foi de algum modo acolhida favoravelmente apesar dos sobressaltos do fim do século XIX com o aparecimento do movimento milenarista da Ghost Dance Religion. O general Phil Sheridan preconizava a destruição dos bisontes para retirar aos índios os seus meios de subsistência. O massacre de Wounded Knee (em 29 de Dezembro de 1890) inaugurou uma época em que a «reserva» restava como única alternativa possível à integração. Mas entretanto, etnógrafos e etnólogos cujo nome é hoje uma lenda, como James Mooney ou Franz Boas, tinham descrito a incomparável riqueza e diversidade das crenças e costumes das sociedades índias. Hoje, este estranho mundo suscita como sempre a fantasia, mas a descoberta de complexidades novas e de profundezas inatingíveis não nos torna mais acessível a tarefa do que aos nossos predecessores. Para além disso, a ficção parece por vezes misturar-se com a realidade, como nas narrativas, cada vez mais espectaculares, do romancista Carlos Castañeda.

A origem dos índios americanos foi objeto de um longo debate. Não se chegou bem ao ponto de os fazer egípcios, troianos ou cartagineses, mas uma das hipóteses mais persistentes apontava no sentido de eles serem as dez tribos perdidas de Israel.

Na realidade, os antepassados dos índios vêm da Sibéria. Eles atravessaram a seco a extensão gelada do estreito de Bering, em busca de alimento. Há onze mil anos, já tinham chegado à extremidade meridional da América do Sul. As culturas monumentais das quais se encontraram vestígios no Norte do México não igualam em grandeza as da América Central. Os índios norte-americanos defendem, apesar de tudo, os seus particularismos. Aquando da chegada dos primeiros europeus, eles falavam mais de cinco centenas de línguas.

A extremidade norte e as ilhas são povoadas pelos esquimós. Daí, e até à fronteira atual entre o Canadá e os Estados Unidos, estendiam-se os territórios de índios pertencentes às famílias linguísticas dos algonquinos (como os ojibuás e os penobscot, a Este) e dos atapascos (facas-amarelas, tchipenianes, kaska, escravos e castores, no centro e a ocidente).

A Oriente e a Sul dos Grandes Lagos estendiam-se os territórios dos grupos linguísticos iraqueses e sioux. Mais a sul, os muscóguis juntavam-se aos algonquinos, sioux, iraqueses e cadoanes.

As planícies centrais eram essencialmente habitadas pelas tribos sioux (assiniboínes, corvos, deghiga, grandes-ventres, tchiueres, mandanes, aricaras, hidatsas, etc). Originalmente pejorativo, o termo «sioux» designa sobretudo as tribos aparentadas dos dacotas, lacotas e nacotas. Seis outras famílias linguísticas estão presentes: a algonquiana (cris, cheienes, pés-negros), a atapascana (apaches), a cadoana (páunis, aricaras), a kiowa-tanoane, a tonkawan e a uto-asteca (comanches, utes).

A costa do Noroeste foi dividida em três setores: norte (tlinguites, haídas, tsimexianes), central (belaculas, nutcas, cuaquiútles) e meridional (salixes, chinook).

A Grande Bacia era habitada pelos índios pertencentes a uma só família linguística, como os xoxones e os paiutes. O Planalto e a Califórnia abrigavam povos de uma grande diversidade linguística e cultural.

No Sul, seis famílias linguísticas estão representadas: uto-asteca, hokane, atapascan, tanoane, sunhi e keres. A classificação econômica está ligada ao parentesco linguístico. Por exemplo, os índios pueblos sedentários, que habitam as vilas (pueblos), falam as línguas tanoanes (tiwa, tewa, towa), keres, sunhi, uto-astecas (hopis). Alguns destes pueblos foram habitados sem interrupção desde o século XII. Os navajos e os apaches são os índios atapascos que emigraram do Canadá para o Sul antes da chegada dos colonizadores espanhóis. [Eliade e Couliano]

Tradição indígena