Ionesco

Em Paris ME fiz amigo de Eugene Ionesco. Conheci-lhe em Bucareste, em outros tempos, mas como ele diria muitas vezes em brincadeira, havia entre nós uma diferença de dois anos. Aos vinte e seis anos, eu era célebre, recém-chegado da Índia, e já professor, enquanto que Eugene Ionesco, de vinte e quatro anos, preparava por então seu primeiro livro. Daí que aqueles «dois anos» constituíram uma diferença muito importante. Entre nós havia uma certa distância. Mas desapareceu desde nosso primeiro encontro em Paris. Eugene Ionesco era conhecido na Romênia como poeta e mais ainda como crítico literário, ou melhor como «anticrítico», pois tratara de demonstrar, em um livro que teve enorme repercussão na Romênia (o livro, muito polêmico, intitulava-se Não!), o que a crítica literária não existe como disciplina autônoma… Em Paris senti curiosidade por saber que caminho escolheria: a investigação filosófica, a prosa literária, o jornal íntimo? Em qualquer caso, não adivinhei que estava a ponto de escrever A cantante calva. A noite da estreia já era eu um grande e sincero admirador de seu teatro, e não ME cabiam já dúvida sobre sua carreira literária na França. O que mais ME impressiona no teatro de Eugene Ionesco é a riqueza poética e a potência simbólica da imaginação. Cada uma de suas obras revela um universo imaginário que participa, ao mesmo tempo, das estruturas do mundo onírico e do simbolismo das mitologias. Sinto-ME especialmente sensível à poética do sonho que informa seu teatro. Entretanto, não se pode falar simplesmente de um «onirismo». Parece-ME em muitas ocasiões que atiro aos «grandes sonhos» da matéria viva, da Terra Mãe, da infância dos futuros heróis e dos futuros fracassados. E o certo é que alguns desses «grandes sonhos» desembocam na mitologia… (Mircea Eliade)

Teatro