João da Cruz

João da Cruz, São (1542-1591)

Juan de Yepes y Alvarez nasceu em Hontiveros ou Fontíveros (Avila) e morreu em Ubeda (Jaén). Estudou gramática e filosofia no colégio da Companhia de Jesus de Medina do Campo. Ingressou na ordem carmelitana em 1563, com o nome de Frei João de São Matías. Na Universidade de Salamanca, estudou humanidades, Escritura, teologia, padres da Igreja e teorías escolásticas. Em 1568, depois de um encontro com Santa Teresa em Medina, uniu-se à “reforma” empreendida por ela. A reforma de homens o encheu de angústias e perseguições. João foi encarcerado e levado à prisão de Toledo. Após oito meses de sofrimentos causados pelos carmelitas calçados, conseguiu escapar, refugiando-se em Andaluzia (1578), onde praticamente viveu o restante de seus dias: Granada, Baeza, Jaén, Ubeda são o cenário onde reza, medita, escreve. Tem breve estadia em Castilla (1588), para morrer em Ubeda.

João da Cruz era um homem pequeno — “meio frade”, chamou-o Santa Teresa, por sua pequena estatura — , tímido, desejoso de solidão e recolhimento. Era um poeta puro e profundo: o santo poeta e grande contemplador da natureza. “Muitas noites inteiras passava o venerável Frade João da Cruz apoiado na janela de sua cela, onde se viam o céu e o campo.” Afastava-se igualmente do convento, “próximo a uma fonte, onde havia muitas árvores”, e ali orava. Outras vezes, antes de amanhecer, “ia à horta e, entre uns arbustos, perto de um canal de irrigação, ficava rezando, até que o calor do sol o expulsava dali”. Ou então o viam “por noites inteiras com os braços em cruz, sob as árvores, ou louvando a Deus, olhando a água, se havia arroio ou rio, ou olhando as ervas”. Dessa contemplação absorta na natureza, em Deus, saiu sua profunda e personalíssima poesia. É essa contemplação de Deus na natureza e em si mesmo que fez de São João um grande místico: o místico cristão por excelência. Raro poeta lírico, cheio de musicalidade e de harmonia, culminou no místico luminoso e, por sua vez, oculto nas trevas da noite profunda.

— São João da Cruz nos deixou sua experiência mística em sua vida e em sua obra escrita. Nela alternam-se a poesia e a prosa.

Na poesia rompe a “cantar sua desolação e seu desconsolo, seu contentamento e sua embriaguez de amor”. Na prosa, ao comentar as poesias, expõe toda a doutrina mística de tradição medieval, e da nova disposição carmelitana. Sem dúvida, a formação tomista e universitária de São João deu uma grande solidez à sua obra doutrinal. “Aquela sólida filosofia aristotélico-tomista que aprendeu nas aulas salamanquinas é a que corre profunda por todos os seus escritos — diz o padre Silvério — , dando-lhes forte ligação e a consistência da rocha granítica, ainda quando se eleva a regiões onde parece que folga toda humana especulação”.

— As quatro obras capitais de São João da Cruz constituem uma unidade orgânica, correspondendo aos diversos graus e vias da mística: a) Subida do Monte Carmelo, a ascética mais penosa da purgação do sentido e do espiritual. Uma subida difícil por montes ásperos, como a via purgativa; penosa, de lenta meditação pelo triste desprendimento de tudo o que não é tudo, do nada do mundo, para chegar à nudez espiritual e ao vazio de tudo o que não é Deus. b) A noite escura da alma e o Cântico espiritual ocupam o ponto central da doutrina na mística do santo. Na Noite escura continuamos “morrendo por verdadeira mortificação a todas as coisas” na negação que a alma faz de si própria e “caminhamos, como na noite, às escuras”, c) A Chama viva de amor corresponde ao estado da alma,jána divina união, banhada de glória, próxima ao estado de bem-aventurança, em que suspira por romper totalmente a envoltura da vida terrena, para permanecer glorificada.

“Em torno dos três poemas, Em uma noite escura, Onde te escondeste e O chama viva de amor, agrupam-se comentários que constituem um tratado completo, emocional e fervoroso, de teologia mística. O poema e o tratado se completam e causam o mesmo efeito sob pontos de vista diferentes. Deixam uma impressão única desse lírico insuperável na emoção e na musicalidade, desse teólogo místico que, com sólida sistematização filosófica, não se prende ao factual, e superam os outros livros de mística europeia de seu tempo” (Valbuena Prat, Historia de la Literatura Española).

Toda a obra de São João da Cruz — em prosa e em verso: avisos, recomendações, canções, romanças, cartas, conselhos etc. — cheia de sabedoria divina, mereceu o reconhecimento da Igreja que o declarou o doutor místico por excelência. Conhecedor a fiando da teologia e da tradição mística anterior, encaixa a sua doutrina mística na mais sã tradição teológica. Sua síntese doutrinal é simples e audaz. Propõe levar as almas ao grau mais alto possível da união com Deus neste mundo. Além da união natural e da união sobrenatural pela graça, há outra união integral ou total, fruto do amor, e chamada “união de amor”. Essa união chama-se “transformadora porque leva a alma a fazer tudo o que agrada a Deus e porque a vontade divina vai comunicando à alma as suas perfeições e tornando-as, cada vez mais, semelhantes a Deus”. Nesta situação “une-se completamente a Deus e se transforma completa e sobrenaturalmente em Deus” (Subida, II, 5,4). Para isso propõe a doutrina nada-tudo:

“Para vir a gostá-lo todo,
não queiras ter gosto por nada;
para vir a sabê-lo todo,
não queiras saber algo em nada;
para vir a possuí-lo todo,
não queiras possuir algo em nada;
para vir a sê-lo todo,
não queiras ser algo em nada”.

Todo comentário e explicação torna-se pouco e trai a experiência mística deste doutor iluminado. É melhor lê-lo e segui-lo diretamente até onde for possível.

BIBLIOGRAFIA: A subida do monte Carmelo; Noite escura; O amor não cansa nem se cansa; Poesias completas; Cântico Espiritual; Viday obras de San JuanJuan de la Cruz (BAC). Madrid 1978, com bibliografia citada na obra, p. 811. (Santidrián)

DIcionário da Idade Média