O labirinto tem uma dupla razão de ser, no sentido de que permite ou impede, segundo o caso, o acesso a um certo lugar ao qual nem todos devem penetrar indistintamente. Apenas os que estão “qualificados” poderão percorrê-lo até o fim, enquanto que os demais serão impedidos de penetrá-lo ou se extraviarão no caminho. Vê-se de imediato que existe aí a ideia de uma “seleção” que se refere de modo evidente à admissão na iniciação. O percurso do labirinto é exatamente, sob esse ângulo, uma representação das provas iniciáticas. E é fácil conceber que, quando servia de fato como meio de acesso a certos santuários, podia estar disposto de tal forma que os ritos correspondentes fossem cumpridos durante o próprio percurso. Além disso, encontra-se nele ainda a ideia de “viagem”, na medida em que está associada às próprias provas, tal como pode ser constatado ainda hoje em certas formas iniciáticas, por exemplo na maçonaria, onde cada prova simbólica é designada como sendo uma “viagem”. Outro simbolismo equivalente é o da “peregrinação”. Podemos lembrar a propósito os labirintos traçados antigamente sobre o pavimento de certas igrejas, e cujo percurso era considerado como um “substituto” da peregrinação à Terra Santa. Afinal, se o ponto em que termina esse percurso representa um lugar reservado aos “eleitos”, ele é na verdade uma “Terra Santa” no sentido iniciático da expressão, ou seja, esse ponto nada mais é que a imagem de um centro espiritual, da mesma forma que todo local de iniciação.
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A defesa “labiríntica” não era apenas empregada contra os inimigos humanos, mas também contra as influências psíquicas hostis, o que indica de modo claro que devia ter em si mesmo um valor ritual. Não insistiremos sobre a marcha “labiríntica” de certas procissões e danças rituais que, por apresentarem antes de tudo o caráter de ritos de proteção ou “apotropaicos”, se ligam, portanto, diretamente à mesma ordem de consideração: trata-se essencialmente de deter e afastar as influências maléficas, por uma “técnica” baseada sobre o conhecimento de certas leis segundo as quais essas influências exercem sua ação.
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Quanto à origem do nome labirinto, ela é muito obscura e deu lugar a muitas discussões. Mas parece que, ao contrário do que muitos pensaram, não se liga diretamente a labrys ou duplo machado cretense, mas ambos derivam de uma mesma palavra muito antiga que designa a pedra (raiz la, de onde laos no grego e lapis no latim), de tal modo que, etimologicamente, o labirinto seria apenas uma construção de pedra, do gênero de construções ditas “ciclópicas”. Contudo, essa é a significação mais exterior da palavra que, num sentido mais profundo, liga-se ao conjunto do simbolismo da pedra, do qual falamos em diversas oportunidades, ao tratar dos “berilos”, das “pedras-de-raio” (identificadas ao machado de pedra ou labrys), e que apresenta ainda muitos outros aspectos. (Guénon)
Um labirinto é muitas vezes a defesa mágica de um centro, de um tesouro, de uma significação. Penetrar nele pode ser um rito iniciático, como vemos no mito de Teseu. Este simbolismo é o modelo de toda existência que, através de numerosas provas, avança para seu próprio centro, para si mesmo, para o atman, para empregar o termo hindu… (Mircea Eliade)
O ser que percorre o labirinto, ou qualquer outra figuração equivalente, chega assim finalmente a encontrar o “lugar central”, isto é, do ponto de vista da realização iniciática, o seu próprio centro; pode tratar-se naturalmente, segundo o caso, ou do centro de um estado particular de existência, ou do centro do ser total, correspondendo o primeiro ao final dos “pequenos mistérios” e o segundo ao dos “grandes mistérios”. O percurso em si, por sua vez, com todas suas complicações, significa evidentemente uma representação da multiplicidade de estados ou modalidades da existência manifestada (dizemos “modalidades” para o caso em que se considere apenas o conjunto de um único estado de manifestação, tal como ocorre necessariamente no que diz respeito aos “pequenos mistérios”), nos quais o ser deve “errar” inicialmente antes de poder se estabelecer no centro. A linha contínua é então a imagem do sutratma ligando todos os estados entre si, e se, além disso, nos lembrarmos do “fío de Ariadne” em conexão com o percurso do labirinto, essa imagem apresenta-se com tal nitidez, que se torna surpreendente ter passado desapercebida. (Guénon)
Em um livro ao qual já nos referimos anteriormente, Jackson Knight assinalou terem sido encontrados na Grécia, perto de Corinto, dois modelos reduzidos, em argila, de casas remontando à época arcaica, dita “idade geométrica”; sobre as paredes exteriores veem-se meandros cercando a casa, cujo traçado parece ter-se constituído de certa forma num “substituto” do labirinto. Na medida em que este representava uma defesa, seja contra os inimigos humanos, seja sobretudo contra as influências psíquicas hostis, podem-se também considerar tais meandros como tendo um valor de proteção, e mesmo duplamente, impedindo não só a entrada de influências maléficas na moradia, mas também a saída e a dispersão exterior das influências benéficas. É possível aliás, que, em certas épocas, não se tenha visto nada mais além disso; mas é preciso não esquecer que a redução dos símbolos a um uso mais ou menos “mágico” corresponde já a um estado de degeneração do ponto de vista tradicional, em que o seu sentido profundo foi esquecido. Naturalmente esse sentido profundo não exclui uma aplicação “mágica”, bem como qualquer outra aplicação legítima, mas a degeneração consiste em que o princípio foi perdido de vista e que só se considera exclusivamente a simples aplicação isolada e de ordem inferior. (Guénon)