liberdade

Sendo o termo liberdade empregado em sentido extremamente diverso, importa, para circunscrever nosso problema, bem escolher aquele, entre tantos, que deve aqui nos reter.

Numa primeira aproximação, o ato livre manifesta-se como um ato que não é constrangido: sou livre para fazer isso porque nada ME obriga. Uma tal pressão pode-se exercer seja no domínio da ação exterior, seja no domínio do ato interno do próprio querer.

À ausência de constrangimento exterior corresponde uma liberdade de ação que recebe diversos nomes segundo o gênero de atividade à qual se refere: liberdade física (poder de se mover corporalmente); liberdade civil (poder de agir como se quer no quadro de uma sociedade) ; liberdade política (poder de participar, conforme modalidades constitucionais previstas, do governo do estado); liberdade de consciência (poder de exprimir suas convicções em público).

À ausência de constrangimento interior necessitante, corresponde a liberdade psicológica propriamente dita ou a liberdade de querer, isto é, a possibilidade para a vontade de se determinar a agir ou a não agir, a querer isto ou a querer aquilo.

Embora haja uma relação entre as duas grandes formas de liberdade, pois a primeira só tem significado na suposição da segunda, não há contudo solidariedade necessária. Em particular, posso estar privado de tais liberdades exteriores sem cessar de ser livre no meu querer. No que se segue, é sobre este segundo tipo de liberdade que trataremos, ou seja, sobre a liberdade psicológica.

Uma outra delimitação se impõe. O ato livre, dir-se-á igualmente, caracteriza-se pelo fato de ser um ato espontâneo, isto é, que tem seu princípio no próprio agente e não no exterior. O ato livre vem de mim. Nada de mais exato, mas é preciso ajuntar que não há coextensão entre os domínios da espontaneidade e da liberdade. Para o compreender, consideremos como, em seus níveis sucessivos, a atividade dos seres pode ser chamada espontânea.

– Há um domínio, de início, onde toda espontaneidade encontra-se afastada, o da ação chamada violenta, isto é, daquela que, vindo do exterior, contraria as inclinações do ser sobre o qual se dirige: assim, na cosmologia antiga, levantar uma pedra era um ato “violento”, pois contraria o peso que é natural da pedra; de modo algum uma tal atividade procede do interior do ser que é movido.

– Considerando agora os movimentos que procedem da natureza mesma de um ser, será conveniente colocar à parte os movimentos dos seres inanimados. Tais seres movem-se a si mesmos, no sentido de que a forma, ou natureza, que dirigem sua atividade, lhes são bem interiores, mas estes princípios eles os recebem tais quais, e de um outro; aparecem assim, na ordem da ação, como puros executantes.

– Mais alto na hierarquia dos seres que se movem a si mesmos encontramos os viventes e, entre eles, especialmente os animais. Os viventes movem-se a si mesmos pelo fato de que, sendo organizados, são ao mesmo tempo ativos e passivos, uma parte agindo sobre a outra. No animal, esta interioridade do princípio da ação manifesta-se pelo fato de as representações que estão na origem do movimento, ainda que sejam determinadas do exterior, dependem contudo em parte das apreciações instintivas do sujeito.

– Enfim, no cume, encontra-se o ser dotado de razão, que é senhor do juízo que está na origem de seus atos e por este fato pode agir, fazer isto ou fazer aquilo. A espontaneidade aqui atinge seu grau mais elevado, o do ato propriamente livre.

A espontaneidade pertence, portanto, ao domínio da liberdade, mas, como a ausência exterior de constrangimento, não basta para a caracterizar.

Não se poderá definir o ato livre dizendo que é o ato mesmo da vontade? Isto suporia que todo ato voluntário fosse livre. É bem assim? Tomás de Aquino (Ia Pa, q. 82, a. 1) pergunta se a vontade não deseja certas coisas de modo necessário e sua resposta é afirmativa.

Para o compreender, distingamos com ele diversos tipos de necessidade:

– a necessidade natural ou absoluta, que é somente a expressão da própria natureza de uma coisa; por sua natureza, o triângulo deve ter três ângulos iguais a dois retos;

– a necessidade do fim que impõe tal meio, quando este meio é o único para atingir tal fim; assim o alimento é necessário para a vida;

– a necessidade, enfim, imposta por um agente exterior, ou necessidade de coação.

Este último tipo de necessidade, já o dissemos, repugna de modo absoluto à vontade, pois, por definição, o “violento” não é livre. Mas os dois outros tipos, pelo contrário, têm seu lugar na atividade de nossa faculdade superior de apetência: 1. , a necessidade natural, antes de tudo; do mesmo modo que a inteligência adere necessariamente aos primeiros princípios, assim também a vontade se relaciona de modo necessário com o bem ou com o fim último; é-ME impossível não querer o bem, como tal, ou minha felicidade; 2. , a necessidade do fim em segundo lugar; esta necessidade tem toda a sua dimensão somente face aos meios sem os quais é impossível atingir seu fim último, isto é, ser, viver ou desejar ver a Deus – suposto para esta última coisa adquirida a certeza de que a felicidade consiste em uma tal visão.

Em face destes bens que assim se impõem à nossa vontade, há outros que não a solicitam de maneira necessária, pois, sem eles, parece que se possa chegar aos fins que se perseguem: estes bens contingentes face às metas a atingir, e que podem ser ou não ser queridos, constituem o domínio próprio da liberdade psicológica. (Gardeil)


Para a mente hindu, a liberdade absoluta (samadhi, Nirvana, etc.) pode ser expressa, de uma maneira reconhecidamente bastante imperfeita, apenas através de uma série de coincidências de contrários. Não é de se admirar, pois, que, entre os métodos propostos para a conquista desse modo de ser paradoxal, o ascetismo mais severo coexista com maithuna e o consumo do kundagolaka. (Eliade)


O conceito de liberdade foi entendido e usado de maneiras muito diversas e em contextos muito diferentes, desde os gregos até aos tempos atuais. Limitar-nos-emos a pôr em relevo alguns dos conceitos capitais de liberdade que se manifestaram no decurso dessa história. Os gregos usaram o termo nos seguintes sentidos: 1) Uma liberdade que pode chamar-se natural e que, quando é admitida, costuma entender-se como a possibilidade de se subtrair, pelo menos parcialmente, a uma ordem cósmica predeterminada e invariável que aparece como inelutável. Pode entender-se esta ordem cósmica de duas maneiras: como modo de operar do Destino, ou como a ordem da Natureza enquanto nesta todos os acontecimentos estão estreitamente imbrincado.. No primeiro caso, aquilo a que pode chamar-se liberdade perante o destino não é necessariamente, pelo menos para muitos gregos, uma prova de grandeza ou dignidade humanas. Pelo contrário, só podem subtrair-se ao Destino aqueles a quem o Destino não seleccionou e, portanto, “os que realmente não interessam”. Nesse caso, ser livre significa, simplesmente, não contar ou contar pouco. Os homens que foram escolhidos pelo destino para o realizarem não são livres no sentido de poderem fazer “o que quiserem”. São, contudo, livres num sentido superior. Aqui, encontramos já a ideia de uma das concepções da liberdade como realização de uma necessidade superior. No segundo caso, isto é, quando a ordem cósmica é “ordem natural”, o problema da liberdade põe-se de outro modo: trata-se de saber então até que ponto e em que medida o indivíduo pode subtrair-se à estreita imbrincação interna dos acontecimentos naturais. Segundo uns, tudo o que pertence à alma é mais fino e mais estável, embora também seja natural, do que aquilo que pertence aos corpos. Por conseguinte, pode haver nas almas movimentos voluntários e livres por causa da maior determinação dos elementos que as compõem. Segundo outros, tudo o que pertence já ordem da liberdade pertence à ordem da razão. O homem só é livre enquanto ser racional e disposto a atuar como ser racional. Portanto é possível que tudo no cosmos esteja determinado, incluindo as vidas dos homens. Mas na medida em que estas vidas são racionais e têm consciência de que tudo está determinado, gozamdo liberdade. Nesta concepção, a liberdade é própria só do sábio; todos os homens são, por definição, racionais, mas só o sábio o é eminentemente. 2) Uma liberdade que se pode chamar social ou política. Primeiramente concebe-se esta liberdade como autonomia ou independência que, numa determinada comunidade humana, consiste na possibilidade de reger os próprios destinos sem interferência de outras comunidades. Nos indivíduos dentro da comunidade, essa autonomia consiste primeiramente não em fugir à lei, mas em agir de acordo com as próprias leis. 3) Uma liberdade que pode chamar-se pessoal e que também se concebe como autonomia ou independência, mas como independência das pressões ou coações procedentes da comunidade enquanto sociedade ou enquanto Estado. Embora se reconheça que qualquer indivíduo é membro de uma comunidade e lhe deve obrigações, normalmente permite-se que ele abandone por algum tempo o seu “neg-ócio” para se consagrar ao “ócio”, que não é forçosamente negação de qualquer atividade mas estudo que lhe permite cultivar melhor a sua própria personalidade. Quando o indivíduo toma esse ócio como um direito e o impõe por si mesmo, então a sua liberdade consiste ou irá consistir numa separação da comunidade talvez fundada na ideia de que, no indivíduo há uma realidade que não é, estritamente falando, social, mas plenamente pessoal. Estas três concepções da liberdade surgiram em diversos períodos da filosofia grega. Em especial, a última das mencionadas foi adotada por diferentes escolas socráticas, mas principalmente pelos estoicos. “o exterior” — a sociedade, a natureza, as paixões — é considerado de certo modo como princípio de opressão. A liberdade consiste em dispor de si mesmo”. Mas isto não é possível a não ser que uma pessoa se tenha livrado de “o exterior”, o qual só se pode levar a cabo quando se reduzem as necessidades a um mínimo. Deste modo, o homem livre acaba por ser aquele que se atém apenas, como diziam os estoicos, “às coisas que estão em nós”, ou, como afirmava Séneca, àquilo que “está nas nossas mãos”. Por isso também Epicteto e Marco Aurélio afirmaram que ninguém pode arrebatar-nos a nossa livre escolha. A liberdade é aqui liberdade para ser ele próprio. Apesar de o ideal de autonomia ser comum a Platão e a aristóteles, convém mostrar também a originalidade deste último. Aristóteles procura coordenar de certa maneira a ordem natural e a ordem moral mediante a noção de finalidade. Assim como os processos têm um fim para o qual tendem naturalmente, também o homem tende naturalmente para um fim que é a finalidade. Ora, o homem não tende para esse fim do mesmo modo que os processos naturais. É próprio do homem pode exercer ações voluntárias. Segundo Aristóteles, as ações involuntárias são as produzidas por coação ou por ignorância e as voluntárias as que carecem destas notas. Para que haja uma ação moral, é mister que juntamente com a ação voluntária — liberdade da vontade — haja uma escolha — liberdade de escolha ou livre arbítrio. Estas duas formas de liberdade estão estreitamente ligadas, pois não se poderia escolher se a vontade não fosse livre, e a vontade não seria livre se não pudesse escolher, mas pode distinguir-se entre elas. De qualquer modo, a noção de liberdade de escolha apresenta alguns paradoxos que o próprio Aristóteles reconheceu. Por exemplo, se um tirano nos força a cometer — um ato mau (por exemplo, assassinar o nosso vizinho) ameaçando-nos com represálias (por exemplo com a morte de um filho nosso ) no caso de não obedecermos, somos então obrigados a fazer algo involuntariamente (porque não queríamos fazê-lo) e, ao mesmo tempo, voluntariamente (porque escolhemos, apesar de tudo, fazê- lo). Mas, não obstante estes paradoxos, Aristóteles achou necessário manter as duas formas de liberdade. Como a maioria dos gregos, considerou que um homem que conhece o bem não pode deixar de atuar de acordo com ele. A única coisa que pode acontecer é que não nos deixem atuar, que, por exemplo, alguém que não conhece o bem (como o tirano atrás mencionado, nos force a atuar segundo o mal. Mas na medida do razoável, a atuação livre em favor do bem predomina sempre, porque não se supõe que o homem esteja em nenhum sentido radicalmente corrompido. Os autores cristãos em geral consideraram que a liberdade como simples ausência de coação é insuficiente e que também não é suficiente, em geral, a liberdade de escolha ou livre arbítrio. Com efeito, pode usar-se bem ou mal o livre arbítrio. Isso já tinha sido revelado em várias ocasiões pelos filósofos antigos, mas ninguém sublinhou, como S. Paulo, que “faço não o bem que quero, mas o mal que não quero” (ROMANOS, 4, 15). A partir do momento em que se proclamou que a natureza do homem tinha sido completamente corrompida pelo pecado original, o que surpreendeu foi não que o livre arbítrio pudesse ser usado para o bem ou para o mal, mas que pudesse ser usado para o bem. daí a insistência na graça e no problema da supressão ou não do ser livre do homem mediante essa graça. A maior parte das questões acerca da liberdade humana, em sentido cristão foram debatidas e explicadas por Santo Agostinho. como vimos, Santo Agostinho distingue entre livre arbítrio como possibilidade de escolha e liberdade como realização do bem com vista à beatitude.. O livre arbítrio anda intimamente ligado ao exercício da vontade, a qual, sem o auxílio de Deus, se inclina para o pecado. Por isso o problema aqui não é tanto o daquilo que o homem poderia fazer, mas antes o de como pode o homem servir-se do seu livre arbítrio para ser realmente livre. Não basta saber o que é o bem: é mister poder inclinar-se efetivamente para ele. Juntamente com esta questão e em estreita relação com ela, está o problema de como pode reconciliar-se a liberdade de escolha do homem com a presciência divina. Para Santo Agostinho, são conciliáveis: Uma experiência pessoal indiscutível que o homem possui uma vontade que o move para isto ou para aquilo. Por outro lado, Deus sabe o que o homem fará voluntariamente isto ou aquilo, o que não exclui que o homem atue voluntariamente. Para Santo Agostinho, isto não é uma explicação do mistério da liberdade mas sim uma explicação válida de que a presciência de Deus não equivale a uma determinação dos atos voluntários a tal ponto que os converta em involuntários: Os escolásticos trataram abundantemente das questões relativas ao livre arbítrio, à liberdade, à vontade, à graça, etc. Para S. Tomás, o homem goza do livre arbítrio ou liberdade de escolha; tem também naturalmente vontade, a qual é livre de coação, pois sem isso não mereceria esse nome. Mas o estar livre de coação é uma condição e não é toda a vontade. É mister, com efeito, que algo mova a vontade: é o entendimento que apreende o bem como objeto da vontade. Desse modo, parece que se elimina a vontade, mas o que acontece é que esta não se reduz ao livre arbítrio. A liberdade propriamente dita é também aquilo a que se chamou depois uma espontaneidade que consiste em seguir o movimento natural próprio de um ser. Assim, não há liberdade sem escolha, mas a liberdade não consiste unicamente em escolher e menos ainda em escolher-se completa e absolutamente a si mesmo: consiste em escolher algo transcendente. Pode haver erro nesta escolha para a qual o homem usa do livre arbítrio. Se o homem escolhe por si mesmo e sem nenhuma ajuda de Deus, escolherá certamente o mal. Deste modo se afirma que há completa liberdade de escolha, mas isto não significa que exista só ela; a liberdade não é mera liberdade de indiferença mas antes de liberdade de diferenças ou com vista às diferenças. Durante a Idade Média discutiu-se muito amiúde a questão da indiferença na escolha. Também se debateu com renovado vigor a questão da compatibilidade ou incompatibilidade entre a liberdade humana e a presciência divina. Mas já desde o século dezasseis se pôs um problema que continuou até ao presente e que consiste em saber se o homem é livre quando se declara que há determinismo. é o célebre problema de “liberdade contra necessidade” ou “necessidade contra liberdade”. Alguns autores modernos sustentaram que a liberdade consiste fundamentalmente em seguir “a próprio natureza” enquanto esta natureza se encontra em relação estreita com toda a realidade. Espinosa é considerado, por isso, como um dos mais acérrimos determinista.. Leibniz procurou reconciliar o determinismo com a liberdade acentuando sobretudo no conceito de liberdade o “seguir a própria natureza enquanto prenhe do próprio futuro”. Outros autores, como Hobbes e Locke, propenderam a destacar no ser livre o elemento “aquilo que quero”. A discussão adquiriu uma nova dimensão pelo modo como Kant voltou a pôr o problema. Para Kant, não se trata de ver se a necessidade afoga a liberdade ou se esta pode subsistir perante a necessidade: trata-se de saber como são possíveis a liberdade e a necessidade. Todos os filósofos anteriores erraram por terem considerado que a questão da liberdade pode decidir-se dentro de uma só e determinada esfera. Perante isso, Kant estabelece que, no reino dos fenômenos, que é o da natureza, há completo determinismo; é totalmente impossível salvar, dentro dele, a liberdade. Em contrapartida, esta aparece dentro do reino do númeno, que é fundamentalmente o reino moral. Em suma, a liberdade não é nem pode ser uma “questão física”: é só e unicamente uma questão moral em no reino da moral, não só há liberdade, mas não pode não havê-la. A liberdade é, com efeito, um postulado da moralidade. É aparente o célebre conflito entre a liberdade e o determinismo. Isto não significa que a realidade fique inteiramente cindida em dois reinos separados. Significa que o homem não é livre por poder afastar-se do nexo causal; é livre porque não é inteiramente uma realidade natural. Por isso podem introduzir-se no mundo possíveis começos de novas causações.. Deste modo, a liberdade aparece como um começo — o que só é possível na existência moral, pois na natureza não há esses começos, mas tudo nela é, por assim dizer, continuação. Há a possibilidade de “uma causalidade pela liberdade”. No seu carácter empírico, o indivíduo deve submeter-se às leis da natureza, no seu carácter inteligível, o próprio indivíduo pode considerar-se como livre. A conexão entre o reino da liberdade e o reino da necessidade dáse dentro de uma realidade utilitária. Embora pertencendo, dentro da sua unidade, a dois mundos. Deste modo, não só se justifica a liberdade mas também se acentua ao máximo o seu carácter positivo. Este carácter consiste, em quase todos os idealistas pós-kantianos, na possibilidade de fundar-se a si próprio. A liberdade não é nenhuma realidade nem atributo de nenhuma realidade, é um ato que se apresenta a si próprio como livre. Este ato, que se apresenta a si mesmo ou auto-apresentação pura é, segundo Fichte, o que carateriza o puro Eu, o que se constitui em objeto de si mesmo mediante um ato de liberdade. Os sistemas deterministas, afirma Fichte, partem do dado. Um sistema fundado na liberdade parte do apresentar-se a si próprio. Ora, como o apresentar-se a si próprio equivale a constituir-se como aquilo que se é, a liberdade de que Fichte parece muito Aquilo que alguns autores chamariam necessidade. Com efeito, o eu que se apresenta a si próprio com livre, para ser, precisa de ser livre. Schelling considerou que esta concepção anula a liberdade que se propôs fundar e insiste em que a liberdade é anterior à autoapresentação: é pura e simples possibilidade. Esta possibilidade é o verdadeiro fundamento do Absoluto; por isso até está fundado na liberdade. Hegel concebe a liberdade fundamental como “liberdade da ideia#”. A ideia liberta-se a si mesma no decurso do seu autodesenvolvimento dialético; não é que a ideia não fosse livre antes do seu auto-desenvolvimento, mas a sua liberdade não era ser distinto de todos os entes. Em certos pontos capitais, Ortega y Gasset antecipou-se a estes pensadores, ao afirmar que o homem está condenado a ser livre, o que equivale a dizer que o homem é causa de si mesmo num sentido muito radical, pois o homem não só se escolhe a si mesmo, mas também, além disso, tem que escolher o que é que ele próprio vai causar. (DFW)

Mircea Eliade