Eliade: limiar sagrado e profano

A fim de pôr em evidência a não homogeneidade do espaço, tal qual ela é vivida pelo homem religioso, pode-se fazer apelo a qualquer religião. Escolhamos um exemplo ao alcance de todos: uma igreja, numa cidade moderna. Para um crente, essa igreja faz parte de um espaço diferente da rua onde ela se encontra. A porta que se abre para o interior da igreja significa, de fato, uma solução de continuidade. O limiar que separa os dois espaços indica ao mesmo tempo a distância entre os dois modos de ser, profano e religioso. O limiar é ao mesmo tempo o limite, a baliza, a fronteira que distinguem e opõem dois mundos – e o lugar paradoxal onde esses dois mundos se comunicam, onde se pode efetuar a passagem do mundo profano para o mundo sagrado.

Uma função ritual análoga é transferida para o limiar das habitações humanas, e é por essa razão que este último goza de tanta importância. Numerosos ritos acompanham a passagem do limiar doméstico: reverências ou prosternações, toques devotados com a mão etc. O limiar tem os seus “guardiões”: deuses e espíritos que proíbem a entrada tanto aos adversários humanos como às potências demoníacas e pestilenciais. É no limiar que se oferecem sacrifícios às divindades guardiãs. É também no limiar que certas culturas paleo-orientais (Babilônia, Egito, Israel) situavam o julgamento. O limiar, a porta, mostra de uma maneira imediata e concreta a solução de continuidade do espaço; daí a sua grande importância religiosa, porque se trata de um símbolo e, ao mesmo tempo, de um veículo de passagem.

Depois de tudo o que acabamos de dizer, é fácil compreender por que a igreja participa de um espaço totalmente diferente daquele das aglomerações humanas que a rodeiam. No interior do recinto sagrado, o mundo profano é transcendido. Nos níveis mais arcaicos de cultura, essa possibilidade de transcendência exprime se pelas diferentes imagens de uma abertura: lá, no recinto sagrado, torna-se possível a comunicação com os deuses; consequentemente, deve existir uma “porta” para o alto, por onde os deuses podem descer à Terra e o homem pode subir simbolicamente ao Céu. Assim acontece em numerosas religiões: o templo constitui, por assim dizer, uma “abertura” para o alto e assegura a comunicação com o mundo dos deuses. [Eliade]

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