literatura oculta

Já no século XVIII, durante o Iluminismo e nos períodos pré-romântico e romântico da primeira parte do século dezenove, alguns autores franceses e alemães fizeram livre uso em suas obras do conhecimento teosófico e ocultista. Entre os anos de 1740 e 1840 apareceram vários romances e contos de grande popularidade, sendo alguns excelentes, assinados por Goethe (Wilhelm Meisters Wanderjahre), Schiller (Der Geistesseher, 1787), Jean-Paul (Die Unsichbhare Loge, 1793) Achim von Amim (Der Kronenwachter, 1817), Novalis (Die Lehrlinge von Sais, 1797-98), Zacharias Werner (Die Sdhne des Thales, 1803), Charles Nodier (Trilby, 1822, Jean Sbogar, 1818, etc.), Balzac (Séraphita, 1834) e outros. Naturalmente, é difícil procurar um denominador comum entre todos esses trabalhos literários. Contudo, pode-se afirmar que seus temas e ideologia refletiam uma esperança numa renovatio pessoal ou coletiva – uma restauração mística da dignidade e dos poderes originais do homem; em suma, as criações literárias refletiam e exploravam as concepções dos teosofistas do século XVII e XVIII e de suas fontes.

Observa-se uma orientação bastante diferente entre os escritores franceses da segunda metade do século dezenove, que se deixaram atrair pelas ideias, mitologias e práticas divulgadas por Eliphas Lévi, Papus e Stanislas de Guaita. Desde Baudelaire e Verlaine, Lautréamont e Rimbaud, até nossos contemporâneos, André Breton e seus discípulos, todos esses artistas valeram-se do oculto como arma poderosa em sua rebelião contra o establishment burguês e sua ideologia. Eles rejeitam a religião, a ética, as convenções sociais e estéticas contemporâneas. Alguns deles são, não somente anticlericais, como a maior parte da elite intelectual francesa, mas também anticristãos; na realidade, eles rejeitam todos os valores judeu-cristãos e os ideais greco-romanos e renascentistas. O seu interesse pelo Gnosticismo e por outros grupos secretos era motivado, não só pela doutrina ocultista, mas também pelo fato de esses grupos terem sido perseguidos pela Igreja. Aqueles artistas estavam procurando, nas tradições ocultistas, elementos anteriores ao Judeu-Cristianismo e ao classicismo grego, ou seja, métodos criativos e valores espirituais egípcios, persas, hindus e chineses. Buscavam seu ideal estético nas artes mais primitivas, na revelação “primordial” da beleza. Stéphane Mallarmé declarou que um poeta moderno deveria ir além de Homero, porque a decadência da poesia ocidental havia começado com ele. Quando o entrevistador lhe perguntou “Mas que poesia existiu antes de Homero?”, Mallarmé respondeu: “Os Vedas!”.

Em nosso século, os escritores e artistas de vanguarda foram ainda mais longe: buscaram novas fontes de inspiração nas artes plásticas do Extremo Oriente e nas máscaras e estátuas africanas e oceânicas. O surrealismo de André Breton decretou a morte de toda a tradição estética ocidental. A exemplo dos outros surrealistas, como Eluard e Aragon, ele aderiu ao comunismo; da mesma forma que eles, procurou inspiração nos diversos impulsos do Inconsciente e também na alquimia e no satanismo. René Daumal estudou Sânscrito como autodidata e descobriu a estética hindu; além disso, estava convencido de que, sob a orientação de Gurdjieff, o misterioso Mestre Caucasiano, havia descoberto uma tradição iniciatória há muito desaparecida no Ocidente.13 Em suma, desde Baudelaire a André Breton, a influência do oculto representou para a vanguarda literária e artística francesa um dos meios mais eficazes de crítica e rejeição aos valores culturais e religiosos do Ocidente – sendo sua eficácia proveniente da suposta base histórica que se atribuía a esse fenômeno.

Estou enfatizando esse aspecto do problema porque, como é bem sabido, revoluções artísticas (ou seja, transmutações de valores estéticos) antecipam o que irá ocorrer uma ou duas gerações mais tarde num segmento mais amplo da sociedade. Além disso, o interesse dos escritores pelo oculto foi, pelo menos parcialmente, contemporâneo das investigações de Freud sobre o Inconsciente e da descoberta do método psicanalítico, o que contribuiu consideravelmente para a modificação dos costumes e modos de pensar europeus. Freud conseguiu provar os valores gnosiológicos das criações da fantasia, que, até então, eram considerados sem sentido e obscuros. Uma vez que havia possibilidade de se articularem as expressões do Inconsciente através de um sistema significativo comparável a uma linguagem não verbal, o grande número de universos refletidos nas criações literárias revelou que havia nelas uma significação secreta e mais profunda, bastante independente do valor artístico dos respectivos trabalhos. (Eliade)

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