Melito de Sardes

Pouco se sabe da Apologia dirigida a Marco Aurélio por Melito, bispo de Sardes, mas esse pouco faz-nos lamentar que ela não tenha sido conservada. Quatro citações, três das quais se encontram na História Eclesiástica de Eusébio, são tudo o que dela nos resta. A. Puech ressaltou o interesse excepcional do terceiro desses textos. Melito teria sido o primeiro que, indo mais longe que o próprio Justino no caminho da conciliação, “viu no aparecimento do cristianismo no seio do império um desígnio providencial”. Eis o essencial do trecho em questão, que de fato é notável sob mais de um aspecto, primeiro porque apresenta, depois de Justino, o cristianismo como sendo a filosofia dos cristãos: “Nossa filosofia floresceu primeiro entre os bárbaros; depois expandiu-se entre os povos que tu governas na época do grande reinado de Augusto, teu ancestral; e tornou-se um bem de feliz augúrio, sobretudo para teu império. Porque foi sobretudo desde então que o poderio dos romanos fortificou-se e brilhou, poderio de que te tornaste, por tua vez, e serás com teu filho, o detentor desejado, se protegeres a filosofia que se desenvolveu e começou com Augusto e que teus ancestrais honraram entre as outras religiões. O que prova da melhor forma a utilidade que teve para o feliz começo do império a coincidência do desenvolvimento de nossa doutrina é que nenhuma calamidade aconteceu desde o reinado de Augusto; ao contrário, tudo foi brilhante, glorioso, conforme aos desejos de todos. Somente Nero e Domiciano, deixando-se enganar por alguns invejosos, quiseram difamar nossa doutrina; é culpa deles terem as mentiras dos sicofantas, por uma prática insensata, se espalhado contra seus adeptos. Mas teus pais, que foram piedosos, remediaram a ignorância deles… Quanto a ti, que tens ainda mais que eles a mesma opinião sobre essas coisas e cujos sentimentos são ainda mais humanos e mais filosóficos, estamos convencidos de que farás tudo o que te pedimos” (trad. A. Puech).

Sabemos bastante bem que essa convicção não tinha fundamento, e, aliás, para explicar o liberalismo de Melito, é preciso levar em conta o interesse que ele tinha em que o próprio Marco Aurélio se mostrasse liberal. Sua argumentação, ainda assim, repousava nessa ideia, então nova e que devia revelar-se fecunda: a fé cristã deve se tornar filosofia do império romano. É o que santo Agostinho sustentará mais tarde na Cidade de Deus e que se tornará fato consumado na época de Carlos Magno. Podemos duvidar de que Melito de Sardes tenha concebido como possível uma aliança entre a filosofia e o cristianismo. Que filosofia teria ele favorecido, ignoramos. Já que Genádio e Orígenes atestam que, num tratado hoje perdido, Melito ensinava que Deus é corporal, podemos pensar que suas preferências recairiam sobre uma espécie de estoicismo, mas estamos reduzidos às conjeturas nesse ponto importante. (Etienne Gilson)

DIcionário da Idade Média