Crenças milenaristas ou quiliásticas (termos derivados das palavras latina e grega para um milhar) existiram na Igreja primitiva e receberam renovado impulso quando se avizinhou o ano 1000. As principais ideias envolvidas estavam relacionadas com “a segunda vinda do Cristo”, a noção de um período apocalíptico de luta entre o Cristo e o Anticristo, entre o Messias e Satã, e o estabelecimento de uma nova Jerusalém na Terra. Elementos do pensamento milenarista subsistiram ao longo de toda a Idade Média, na maioria dos movimentos reformistas religiosos, e estavam normalmente associados a uma excessiva austeridade, a uma expectativa de um final catastrófico para a sociedade existente, e coincidindo, com frequência, com períodos de intensa convulsão econômica e social. (DIM)
Sonho de uma felicidade terrena, mil vezes combatida e mil vezes renascida, o milenarismo alimenta-se de um texto do Apocalipse (20,2-15), no qual o evangelista João narra a visão de um reino que durará mil anos, durante o qual Satanás será acorrentado e os justos, que sofreram perseguição e martírio, ressuscitarão para reinar com Cristo. “Ditosos e santos, escreve João, os que tenham parte nesta primeira ressurreição” (v. 6). Será, de fato, a primeira ressurreição e a penúltima fase da história do mundo.
Depois desse período de mil anos, Satanás será solto novamente e seduzirá as nações, mas o seu domínio não será mais do que passageiro, porque será devorado por um fogo do céu; o mesmo acontecerá com todos os seus partidários. Os justos, no entanto, e todos os mortos conhecerão a ressurreição. Um juízo geral marcará o fim do mundo e a inauguração de “um novo céu e uma nova terra”.
Essa crença num millenium — período de mil anos, chamado também quiliasmo, do grego khilioi, mil — conheceu um êxito verdadeiramente surpreendente desde os primeiros séculos do cristianismo. De fato, a vinda de Cristo não tinha cumulado todas as esperanças; sua vida acabara na vergonha e na dispersão de seus discípulos. A esperança da realização completa de seu reino — “mil anos” poderia ser interpretada ao pé da letra ou poderia ser interpretada simbolicamente — não seria suprimida, mas demorada. Os crentes que padeciam as perseguições nela encontravam um motivo de alento e de perseverança na prova.
Essa mesma crença inventava o sonho do messianismo, isto é, da espera de uma salvação por sua vez coletiva, terrestre, iminente, total e sobrenatural, já presente na tradição judaica e que adquiriu um novo esplendor depois da ruína de Jerusalém (70 d.C). Por essa razão, uma série de autores cristãos dos três primeiros séculos deixaram-se seduzir por essa ilusão, enquanto que São Jerônimo e Santo Agostinho dedicam-se a combater tal interpretação do Apocalipse conforme o sentido literal.
Contudo, o movimento milenarista não morre. Vemo-lo renascer na Idade Média com Joaquim de Fiore, e o movimento ao qual dá seu nome, o joaquinismo. Hoje mesmo aparece com toda pujança ao abrigo das correntes milenaristas — mórmons, adventistas, testemunhas de Jeová, darbistas — e mil outros movimentos e seitas. Esses movimentos milenaristas jogam com o desenvolvimento dos crentes e dos não-crentes frente às desgraças e às injustiças de nossa sociedade. Junto a estes também devemos colocar a literatura atual pseudo-gnóstica e apócrifa (Gnósticos, Apócrifos), destinada ao consumo da curiosidade e da demanda de leitores cada dia mais preocupados com o sobrenatural.
Devemos dizer, para concluir, que essa corrente não se justifica nem do ponto de vista da Bíblia nem da teologia. Nenhuma palavra de Cristo faz alusão a período algum de mil anos nem a uma ressurreição parcial dos justos. Sua vinda no final dos tempos coincide com o juízo definitivo e universal (Jo 5,28-29). E embora o milenarismo não tenha sido rechaçado de uma maneira explícita por parte da Igreja, não se coaduna com a fé cristã, que acredita na vinda de Cristo nos finais dos tempos. Não se pode admitir uma terceira volta provisional que, por outra parte, resulta supérflua. Da mesma maneira, não se coaduna com a doutrina cristã esse mundo imaginário criado pela literatura milenarista, embora proposto por autores literários de fama mundial ou seus livros se transformem em “best-sellers”. Seu êxito está mais vinculado ao sensacionalismo dos leitores ou espectadores do que à verdade da doutrina.
Como se entendem os “mil anos” de que fala o Apocalipse? O Apocalipse é uma mensagem de esperança para os cristãos do século I, vítimas das perseguições, e para os crentes de todas as épocas. Com sua ressurreição, Cristo já inaugurou o seu Reino. Nesse Reino, seus discípulos perseguidos encontram força, vida e alento para superar toda prova. A luta dos cristãos realiza-se entre as forças do bem e do mal. A esperança da vitória final do bem sobre o mal apoia-se na vitória de Cristo sobre a morte e o pecado. Essa esperança o conduz ao Reino último e definitivo com Cristo, depois da segunda vinda. O Apocalipse que, por seu gênero literário, é construído de imagens e símbolos, deve ser lido por cima e para além destes a fim de poder captar o sentido profundo do texto.
BIBLIOGRAFIA: F. J. Nocke, Escatología. Herder, Barcelona 1984; José L. Ruiz de la Peña, La otra dimensión. Sal Terrae, Santander 1986; J. B. Libânio-M. C. L. Bingemer, Escatología cristiana. EP, Madrid 1985; J. Moltmann, Teología de la esperanza. Sígueme, Salamanca 1969. (Santidrián)