Frithjof Schuon
Há dois momentos na vida que são tudo, e são o momento presente, no qual somos livres para eleger o que queremos ser, e o momento da morte, no qual já não temos nenhuma eleição e no qual a decisão é de Deus. Bem, se o momento presente é bom, a morte será boa; se estamos agora com Deus – neste presente que renova sem cessar , mas que sempre é este único momento atual -, Deus estará conosco no momento de nossa morte. A lembrança de Deus é uma morte na vida; será uma vida na morte. [Schuon PP]
René Guénon
A morte iniciática é um tema que nos permite tratar a questão das relações entre a caverna funerária e a caverna iniciática. Embora essas relações sejam seguramente muito reais, a identificação de uma à outra, no que diz respeito ao seu simbolismo, representa apenas a metade da verdade. Podemos notar que, mesmo do ponto de vista exclusivamente funerário, a ideia de derivar o simbolismo do ritual, ao invés de ver no próprio ritual a ação do simbolismo [v. Sibila], ao constatar que a viagem subterrânea é quase sempre seguida de uma viagem ao ar livre, e que muitas tradições representam como uma navegação. De fato, isso seria inconcebível se se tratasse apenas da descrição figurada de um ritual de enterro, mas que pode ser muito bem explicado quando sabemos que se trata, na realidade, das diversas fases atravessadas pelo ser no curso de uma migração que se processa verdadeiramente “além-túmulo”, e que de modo algum diz respeito ao corpo que foi abandonado quando esse ser deixou a vida terrestre. Por outro lado, em razão da analogia existente entre a morte, entendida no sentido comum dessa palavra, e a morte iniciática, a mesma descrição simbólica pode ser aplicada ao que acontece com o ser em ambos os casos. Aí está, quanto à caverna e à viagem subterrânea, o motivo da assimilação considerada, até o ponto em que é legitimamente justificável, ou seja, até as preliminares da iniciação, e de modo algum até a própria iniciação.
De fato, só podemos ver aí, a rigor, uma preparação à iniciação, e nada mais. A morte para o mundo profano, seguida da “descida aos Infernos”, é, bem entendido, a mesma coisa que a viagem ao mundo subterrâneo ao qual a caverna dá acesso. Mas, no que se refere à própria iniciação, longe de ser considerada como morte, é, ao contrário, um “segundo nascimento” e uma passagem das trevas para a luz. O lugar desse nascimento é ainda a caverna, pelo menos nos casos em que nela se realiza a iniciação, de fato ou simbolicamente, pois é evidente que não se pode generalizar demais e que, do mesmo modo que para o labirinto não se trata de algo necessariamente comum a todas as formas iniciáticas sem exceção. A mesma coisa aparece aliás, mesmo exotericamente, no simbolismo cristão da Natividade, de forma ainda mais clara que em outra tradições, o que torna evidente que a caverna, como local de nascimento, não pode ter a mesma significação precisa que a caverna como local de morte e sepultura. Poderíamos observar, no entanto, para reunir pelo menos entre si esses dois aspectos diferentes, e aparentemente opostos, que a morte e nascimento são como que duas faces de uma mesma mudança de estado, e que sempre se considera que a passagem de um estado a outro deve efetuar-se na obscuridade. Nesse sentido, a caverna seria então, de modo mais exato, o próprio lugar dessa passagem; mas isso, mesmo sendo estritamente verdadeiro, só se refere a um dos lados de seu complexo simbolismo. [Guénon]