Por razões óbvias, começarei com a revista Planète. Na realidade, eu não sou o primeiro que meditou sobre o significado cultural de sua popularidade sem precedentes. Há algum tempo atrás, o famoso e sério jornal parisiense Le Monde dedicou dois longos artigos a esse problema, o incrível e inesperado sucesso de Planète. De fato, 80.000 assinantes e 100.000 compradores de urrfa revista bastante cara constituem um fenômeno raro na França – e um problema para a sociologia da cultura. Seus editores são Louis Pauwels, um escritor e ex-discípulo de Gurdjieff, e Jacques Bergier, um jornalista científico muito popular. Em 1961 eles publicaram um livro volumoso, O Despertar dos Mágicos, que rapidamente se tornou um bestseller. Na realidade, Planète foi lançado com os royalties obtidos por O Despertar dos Mágicos. O livro foi também traduzido para o inglês, mas não causou o mesmo impacto no público anglo-americano. É uma mistura curiosa de ciência popular, ocultismo, astrologia, ficção científica e técnicas espirituais. Mas não é só isso. O livro tem pretensões de revelar inúmeros segredos vitais – de nosso universo, da Segunda Guerra Mundial, de civilizações perdidas, da obsessão de Hitler pela astrologia e outros tópicos dentro da mesma linha. Ambos os autores são bem lidos e, como já disse, Jacques Bergier tem uma formação científica. Consequentemente, o leitor g convencido de que recebe fatos ou pelo menos hipóteses dignas de confiança – de que, em todo caso, não está sendo enganado. Planète é construída sobre as mesmas bases e segue o mesmo padrão: há artigos sobre a probabilidade de planetas habitados, novas formas de guerras psicológicas, a perspectiva de l’amour moderne, a ficção científica americana de H. P. Lovecraft, as chaves “reais” para a compreensão de Teilhard de Chardin, os mistérios do mundo animal e outros.
Ora, para se compreender o sucesso inesperado de ambos, o livro e a revista, deve-se lembrar o panorama cultural francês do fim da década de 50. Como é bem sabido, o existencialismo tornou-se extremamente popular logo após a libertação. J.-P. Sartre, Camus, Simone de Beauvoir eram os guias e modelos inspiradores da nova geração. Sartre em particular gozou de uma popularidade que não se via na França desde os dias de Voltaire e Diderot, Victor Hugo ou Zola, quando do caso Dreyfus. O próprio marxismo só atraiu os jovens intelectuais depois que Sartre proclamou suas simpatias pelo comunismo. Muito pouco restava da Renascença católica na França do início da década de 20. Jacques Maritain e os neotomistas já haviam caído de moda no começo da Segunda Guerra Mundial. Os únicos movimentos vivos dentro do Catolicismo, além do existencialismo cristão de Gabriel Marcel, resultavam do trabalho do grupo, bastante modesto, dos Etudes Carmelitaines (que enfatizavam a importância da experiência mística e encorajava o estudo da psicologia, da religião e do simbolismo) e dos Sources Chretiennes com sua revalorização da patrística-grega e sua insistência na renovação litúrgica. Contudo, esses movimentos católicos não tinham nem o charme do existencialismo de Sartre nem o carisma do comunismo. O ambiente cultural, desde a filosofia e ideologia, até a literatura, arte.. cinema e jornalismo, estava dominado por umas poucas ideias e chavões: o absurda da existência humana, alienação, engajamento, situação, momento histórico e outros. É verdade que Sartre falava constantemente de liberdade; mas, no final, aquela liberdade não tinha sentido. Nos últimos anos da década de 50, a guerra da Argélia causou um profundo mal-estar entre os intelectuais. Existencialistas, marxistas ou católicos liberais, todos tinham que fazer sua opção pessoal. Por muitos anos, o intelectual francês foi forçado a viver quase exclusivamente no seu “momento histórico” como Sartre havia ensinado dever ser a orientação de todo indivíduo responsável.
Nesse clima sombrio, enfadonho e um pouco provinciano – pois parecia que apenas Paris, ou melhor, Saint-German-des-Prés, e naquele momento a Argélia, importavam no mundo – o aparecimento de Planète teve o efeito de uma bomba. Tudo era diferente: a orientação geral, os problemas debatidos, a linguagem. Não havia mais a preocupação excessiva com a “situação existencial” e o “engajamento” histórico de cada um, mas uma abertura grandiosa para um mundo maravilhoso: a organização futura do planeta, as possibilidades ilimitadas do homem e outros temas. Não foi a abordagem científica em si que causou esse entusiasmo coletivo, mas o impacto carismático dos “últimos desenvolvimentos científicos” e a proclamação de seu triunfo iminente. Naturalmente, como já disse, à ciência foram acrescentados hermetismo, ficção científica e as mais recentes informações políticas e culturais. Mas o que era novo e estimulante para o leitor francês era a visão otimista e integral que conjugava ciência com esoterismo e apresentava um cosmos vivo, fascinante e misterioso, no qual a vida humana tinha sentido e prometia uma perfectibilidade eterna. O homem não estava mais condenado a uma condition humaine sombria; em vez disso, ele era chamado a conquistar seu universo físico e a desvendar os outros, os enigmáticos universos revelados pelos ocultistas e gnósticos. Mas, diferentemente das escolas e movimentos gnósticos e esotéricos anteriores, Planète não desprezou os problemas sociais e políticos do mundo contemporâneo. Resumindo, a revista difundia uma ciência redentora: uma informação científica que era ,ao mesmo tempo soteriológica. O homem não estava mais alienado e inútil num mundo absurdo para o qual ele havia vindo por acidente e em vão. (Eliade)