Já dissemos várias vezes que todo sacrifício ritual deve ser visto como uma imagem do primeiro sacrifício cosmogônico, aquele de Purusha na tradição védica. E, em todo sacrifício também, como observa M. Coomaraswamy, “a vítima, tal como os Brâhmanas mostram com toda evidência, é uma representação do sacrificante, ou, como exprimem os textos, é o próprio sacrificante; de acordo com a lei universal, segundo a qual a iniciação (diksha) é uma morte e um renascimento, torna-se evidente que o ‘iniciado é a oblação’ (Taittiriya Samhita, VI, 1,4, 5), a vítima é substancialmente o próprio sacrificante” (Aitareya Brahmana, II, II). Isso nos leva diretamente ao simbolismo maçônico do grau de Mestre, no qual o iniciado identifica-se de fato à vítima. Insiste-se, aliás com frequência, nas relações da lenda de Hiram com o mito de Osíris, de modo que, quando se trata de “reunir o disperso”, pode-se logo pensar em Ísis reunindo os membros dispersos de Osíris. Mais exatamente, no fundo, a dispersão dos membros de Osíris é a mesma coisa que a dos membros de Purusha ou de Prajapati: trata-se apenas, poderíamos dizer, de duas versões que descrevem o mesmo processo cosmogônico em formas tradicionais diferentes. É verdade que, no caso de Osíris e de Hiram, não se trata mais de um sacrifício, ao menos explicitamente, e sim de um homicídio; mas isso, em essência, não muda nada, pois na verdade é a mesma coisa que se considera sob dois aspectos complementares: como um sacrifício em seu aspecto “dévico”, e como um homicídio em seu aspecto “asúrico”. Contentamo-nos em assinalar de passagem esse ponto, pois não poderíamos insistir sobre ele sem entrar em desenvolvimentos muito longos, estranhos à questão que temos em vista no momento.
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Em seu estudo sobre o sacrifício A. Coomaraswamy diz que “o essencial no sacrifício é, em primeiro lugar, dividir e, em segundo, reunir”. O sacrifício comporta assim duas fases complementares — “desintegração” e “reintegração” — que constituem o processo cósmico em seu conjunto: Purusha, “sendo um, torna-se muitos, e sendo muitos, torna a ser um”. A reconstituição do Purusha opera-se simbolicamente, em particular, na construção do altar védico, que compreende em suas diferentes partes uma representação de todos os mundos,1° e o sacrifício, para ser corretamente realizado, exige a cooperação de todas as artes, o que assimila o sacrificante ao próprio Vishwakarma. (Guénon)