sensação

A multiplicidade de significados de sensação não é devida apenas à ambiguidade dos referido termo, mas ao fato da amplitude do seu significado variar com as diferentes épocas. Há autores que consideram a sensação como um modo inferior do conhecimento, e até negaram que fosse propriamente conhecimento. Assim, por exemplo, Platão afirmava, face aos sofistas, que a sensação — a percepção sensível; — não proporciona verdadeiro conhecimento nem sequer das coisas sensíveis. Com efeito, a sensação, a pode apreender uma cor, mas não pode dizer se a cor apreendida é semelhante ou não à percepção sensível de outra cor. Mas se a sensação não é conhecimento em Platão tem um alcance maior do que o que nós costumamos dar à sensação, pois abarca o que chamamos percepção e, em geral, toda a apreensão que não seja de natureza intelectual.. Esta amplitude do significado de sensação é ainda mais patente em Aristóteles. Aristóteles e quase todos os autores empiristas partem da sensação pelo menos na medida em que mantêm o princípio “nada há no entendimento que antes não tenha estado nos sentidos”. Isto não significa que tais autores sem excepção concebam a inteligência como mero prolongamento da sensação, inclusivamente compreendendo esta num sentido muito amplo. A este respeito encontram-se no curso da história da filosofia posições muito diversas. Mesmo que admitamos que há um significado bastante comum de sensação nos autores gregos, há diferenças nos modos como se precisa o conceito. Assim, por exemplo, Diógenes Laércio indica que os estoicos falavam de sensação em três sentidos: como uma corrente que vai da parte principal da alma aos sentidos; como uma apreensão por intermédio dos sentidos ou apreensão sensível; como órgãos dos sentidos. Além disso, chamam sensação à atividade destes órgãos. Mas o fundamental na noção estoica de sensação é a apreensão mediante incidência sensível ou contato com as coisas sensíveis, no decurso de cuja a atividade se apreendem semelhanças, diferenças, etc. Em grande medida a noção estoica e a aristotélica caminham a par. Por outro lado, os neoplatônicos e, especialmente, Plotino, entendiam por sensação a percepção de coisas exteriores à alma; as sensações produzem ilusões, mas permitem, com a ajuda da inteligência, o juízo. As sensações, diz Plotino, não são o guia de que falam e exaltam os estoicos, visto que são, em última análise, obscuros pensamentos. Há, no entanto, uma forma da sensação que procede do sujeito senciente e do sentido de modo que nem tudo é indeterminado e caótico na sensação. Entre as questões que se têm levantado em relação à sensação figuram a relação entre a sensação e em geral chamadas potências sensíveis ou sensitivas — e outras operações ou faculdades; e o objeto próprio da sensação. Durante a idade média houve pelo menos duas grandes doutrinas sobre a questão: uma destas doutrinas pode chamar-se platônico-agostiniana e consiste em considerar a sensação como um dos modos como a alma usa o corpo. Isto não quer dizer que as sensações tenham exclusivamente a sua origem na alma; as sensações são apreensões de coisas sensíveis. Mas tais apreensões não seriam possíveis se fossem independentes da alma. Assim, as sensações surgem porque as coisas exteriores sensíveis atuam sobre os órgãos dos sentidos. Mas as sensações não são simplesmente sensíveis; em todo o caso, são sensíveis na medida em que são apreendidas e, portanto, conhecidas. Por estes motivos, na tradição platônico-agostiniana a sensação, embora de origem corporal, ou tornada possível por intermédio de órgãos corporais é também anímica. A sensação é, em última análise, sensação da alma. A outra doutrina pode chamar-se aristotélico-tomista e consiste em incluir na sensação ou potências sensíveis todo o conhecimento proporcionado tanto pelos sentidos externos (como os dos órgãos dos sentidos, mas também os que experimentam prazer, dor, bem-estar, mal-estar, etc), como pelos sentidos internos (como a imaginação, a memória e o sentido do mundo). A sensação não é aqui um dos modos como a alma a usa o corpo, mas é o ponto de partida para o exercício das chamadas potências intelectuais, as quais precedem as operações da abstração. Fala- se de alma sensitiva, mas trata-se então da alma como uma das potências. A questão do objeto próprio da sensação foi claramente posta por Demócrito ao indicar que as sensações são por convenção. Isto quer dizer, em seu entender, que nos próprios objetos não há qualidades sensíveis — só existem as chamadas qualidades primárias —, de modo que são os sentidos que formam as sensações. Outros autores, em contrapartida, admitiram que os sentidos apreendem diretamente as qualidades sensíveis.

Grande parte dos problemas relativos à sensação tal como foram tratados pelos filósofos modernos partem destas questões. Os modos como vários autores definiram a sensação correspondem a uma noção de sensação como atenuação das potências intelectuais. Tal sucede com as concepções de Descartes — a sensação é “um modo confuso de pensar” — e de Leibniz — a sensação é “uma representação confusa”. Em geral, foi típico dos racionalistas outorgar um lugar subordinado à sensação na estrutura do conhecimento. Os empiristas, em compensação, destacaram a importância do sensível. Adverte-se nas correntes empiristas uma definida tendência para o que se chamou sensacionalismo e também sensualismo.. Kant acolheu uma parte desta tendência ao assinalar que, no sentido, o real é o que corresponde às condições da sensação. Tem sido corrente distinguir entre sensação e percepção, considerando esta como um reflexo de sensações ou como a coincidência da sensação. No entanto, esta distinção oferece muitas dificuldades, pois a sensação pode ser concebida também como uma percepção de qualidades sensíveis.

DIcionário da Idade Média