Eliade: sonho

—Que relações há entre sonho e religião?

—O sonho possui indubitavelmente umas estruturas mitológicas, mas é algo que se experimenta em solidão, de forma que o homem não se encontra de todo presente nele, enquanto que a experiência religiosa é de caráter diurno e a relação com a sagrado arrasta ao ser em sua totalidade. São evidentes as semelhanças entre o sonho e o mito, mas há entre ambas as coisas uma diferença essencial, a mesma distância que entre o adultério e Madame Bovary, entre uma simples experiência e uma criação do espírito.

—Não é o sonho a matéria prima do religioso? No sonho retornam os mortos, fazem-se verdadeiras as quimeras, aparece um mundo distinto… Não haverá alguma relação entre a diferença que existe entre o sonho e a vigília; o intermédio entre o sagrado e o profano?

—Para mim, o sagrado é sempre a revelação da realidade, o encontro com o que nos salva ao dar sentido a nossa existência. Se este encontro e esta revelação se produzem em sonhos, não somos conscientes disso… Quanto a saber se o sonho está na origem da religião… diz-se, com efeito, que o animismo era a primeira forma da religião e que a experiência do sonho nutria esta crença. Mas já não se diz tal coisa. De minha parte, acredito que é a contemplação do céu imenso o que revela ao homem a transcendência, o sagrado.

—A aparição do divino situar-se-ia, então, melhor do lado do homem acordado que experimenta um assombro, e não do lado do homem dormindo…

—O homem dormindo contribui com muitas coisas, mas acredito que a experiência fundamental corresponde ao homem acordado. (Mircea Eliade)

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