T’ao-t’ie

O T’ao-t’ie (v. guardião da porta), além do mais, não é na realidade nem um tigre nem um urso, e muito menos qualquer outro animal determinado. E o sr. Hentze assim descreve o caráter heterogêneo dessa máscara fantástica: “goela de carnívoro armado de grande presas, chifres de búfalo ou de carneiro, cara e penacho de mocho, coto de asas e garras de ave de rapina, ornamento frontal em forma de cigarra.” Essa figura é muito antiga na China, pois encontra-se quase sempre nos bronzes da dinastia Chang. O nome T’ao-T’ie, que de hábito se traduz por “glutão” ou “ogro”, parece ter-lhe sido atribuído somente muito mais tarde, mas nem por isso essa designação é menos justa, pois trata-se de fato de um monstro “devorador”. Isso vale também para os seus equivalentes que pertencem a outras tradições, e que, mesmo quando não apresentam um caráter assim tão heterogêneo como o do T’ao-t’ie, jamais podem-se reduzir à representação de um único animal.

No que concerne a essa significação, o Sr. Hentze, no artigo que acabamos de citar, vê antes de tudo no T’ao-t’ie um “demônio das trevas”. Isso pode ser verdade num certo sentido, mas sob a condição de ser explicado de modo preciso, tal como ele fez, aliás, mais tarde num outro trabalho. Não se trata de forma alguma de um “demônio” no sentido comum dessa palavra, mas no sentido original do Asura védico, e as trevas a que se refere são na realidade as trevas superiores. Em outros termos, trata-se de um símbolo da “Identidade Suprema”, na medida em que alternadamente absorve e emite a “Luz do Mundo”. O T’ao-t’ie e os outros monstros similares correspondem portanto a Vritra e aos seus diversos equivalentes, e também a Varuna, por meio do qual a luz ou a chuva é alternadamente retida e solta, alternância esta que corresponde aos ciclos involutivos e evolutivos da manifestação universal. Do mesmo modo Coomaraswamy pôde dizer com razão que essa face, sejam quais forem suas diversas aparências, é na verdade a “Face de Deus” que, ao mesmo tempo, “mata e vivifica”. Não é exatamente, portanto, uma “cabeça de morto”, como queria o sr. Marchal, a menos que não fosse tomada como um símbolo; mas é antes, como disse ainda Coomaraswamy, a “cabeça da Morte”, isto é, de Mrityu, que tem ainda Kala como um dos seus nomes. (Guénon)

Índia e China