Teilhard de Chardin

Eu devo interromper aqui a minha rápida análise das razões do sucesso de Planète, porque compreendo que muito do que eu disse a respeito da revista pode ser aplicado, quase identicamente, à popularidade de Teilhard de Chardin. Creio ser desnecessário acrescentar que não estou falando dos inquestionáveis méritos científicos e filosóficos de Teilhard, mas do sucesso tremendo de seus livros, todos os quais, como é bem sabido, foram publicados postumamente. E é um estranho paradoxo que o único pensador católico-romano que obteve uma audiência responsável e vasta tenha sido proibido pelas autoridades eclesiásticas de publicar seus próprios livros, que são hoje best-sellers tanto no Novo como no Velho Mundo. O que ainda é mais importante é o fato de pelo menos uma centena de volumes e muitos milhares de artigos terem sido publicados em todo o mundo, em menos de dez anos, discutindo, em quase todos os casos favoravelmente, as ideias de Teilhard. Se nós levarmos em consideração que nem mesmo Sartre, o mais popular filósofo de sua geração, conseguiu uma resposta tão ampla, depois de vinte e cinco anos de atividade, teremos que reconhecer a significação cultural do sucesso de Teilhard. Não temos nenhum livro, apenas uns poucos artigos, a respeito das ideias de Louis Pauwels e Jacques Bergier, ambos os artigos em Le Monde dizem respeito à popularidade de sua revista Planète, mas a maior parte dos livros e artigos sobre Teilhard discutem sua filosofia e suas concepções religiosas.

É provável que os leitores de Planète e Teilhard de Chardin não sejam os mesmos, mas eles têm muito em comum. Para começar, todos estão cansados do existencialismo e do marxismo, cansados do contínuo debate sobre a história, a condição histórica, o momento histórico, engajamento, etc. Os leitores de Teilhard e Planète estão mais interessados na natureza e na vida do que em história. O próprio Teilhard afirma que a história é um segmento modesto de um glorioso processo cósmico que começou com o aparecimento da vida e que continuará por bilhões e bilhões de anos, até que a última das galáxias ouça a proclamação de Cristo como Logos. Tanto a ideologia de Planète como a filosofia de Teilhard são fundamentalmente otimistas. Na realidade, Teilhard é o primeiro filósofo, desde Bergson, que ousou expressar fé e confiança na vida e no homem. E quando os críticos tentam provar que as concepções básicas de Teilhard não são parte legítima da tradição cristã, eles costumam mostrar o otimismo dele, sua crença numa evolução infinita e dotada de sentido e seu desprezo pela ideia do pecado original e do mal em geral.

Mas, por outro lado, os cientistas agnósticos que leram Teilhard de Chardin admitem que, pela primeira vez, compreenderam o que pode significar ser um homem religioso, acreditar em Deus e até em Jesus Cristo e nos sacramentos. É um fato que Teilhard foi o primeiro autor cristão a apresentar a sua fé em termos acessíveis e dotados de sentido para o cientista agnóstico e para quem desconhece as religiões de modo geral. Pela primeira vez neste século, a massa agnóstica e descrente dos europeus cientificamente educados entende sobre o que um cristão está falando. Isso não se deve ao fato de Teilhard ser um cientista. Antes dele muitos grandes cientistas não esconderam sua fé cristã. O que é novo em Teilhard e o que explica, pelo menos em parte, sua popularidade, é o fato de que ele soube fundamentar sua fé cristã através de uni estudo científico e de uma compreensão da natureza e da vida. Teilhard fala sobre o “poder espiritual da matéria” e confessa uma “irresistível simpatia por tudo que se agita dentro da massa escura da matéria”. O amor dele pela substância e pela vida cósmica parece impressionar profundamente os cientistas. De maneira ingênua ele admite ter sido sempre um “panteísta” por temperamento e menos “uma criança do céu do que filho da terra”. Mesmo os mais refinados e abstrusos instrumentos científicos – o computador eletrônico, por exemplo – são exaltados por Teilhard, porque ele os considera auxiliares e promotores da vida.

Mas não se pode falar simplesmente do “vitalismo” de Teilhard, porque ele é um homem religioso, e a vida é sagrada para ele; além disso, a matéria cósmica como tal é suscetível de ser santificada em sua totalidade. Pelo menos esse parece ser o significado daquele texto maravilhoso chamado “The Mass on the Top of the World”. Quando Teilhard fala sobre a penetração das galáxias pelo Logos cósmico, mesmo a mais fantástica exaltação dos hodhisattvasi6 parece ser comparativamente modesta e sem imaginação. Porque, para Teilhard, as galáxias em que Cristo será apregoado daqui a milhões de anos são reais, são matéria viva. Elas não são nem ilusórias nem mesmo efémeras. Num artigo na revista Psyché, Teilhard confessou uma vez não poder acreditar num fim catastrófico do mundo, nem agora nem daqui a bilhões de anos; ele não podia nem mesmo acreditar na segunda lei da termodinâmica. Para ele, o universo era real, vivo, significativo, criativo, sagrado – e, se não eterno no sentido filosófico, pelo menos de duração infinita.

Nós podemos agora compreender a razão da imensa popularidade de Teilhard: ele não só estabelece o elo entre ciência e cristianismo; ele não está apenas apresentando uma visão otimista da evolução cósmica e humana e insistindo particularmente no valor excepcional do modo humano de ser no universo; ele está também revelando a derradeira condição sagrada da natureza e da vida. O homem moderno está alienado não apenas de si mesmo; ele está também alienado da natureza. É claro que não é possível voltar para uma “religião cósmica”, fora de moda já na época dos profetas e depois perseguida e suprimida pelos cristãos. Não é possível nem mesmo retornarmos a uma abordagem romântica ou bucólica da natureza. Mas a nostalgia por uma perdida solidariedade mística com a natureza ainda persegue o homem moderno. E Teilhard abriu para ele uma perspectiva inesperada, em que a natureza é carregada de valores religiosos, mesmo retendo sua realidade completamente “objetiva”. (Eliade)

Mircea Eliade