Ugarit

Situado na costa da Síria, o porto de Ugarit existia desde os começos do segundo milênio. Em cerca de 1350 a. C. apareceu uma escritura cuneiforme por incisão de uma ponta sobre a argila úmida. Antes que a invasão dos povos marítimos, pelo ano de 1175 a. C, destruísse esta civilização, muitos textos foram imortalizados desta maneira, compreendendo inscrições votivas, sortilégios, orações, listas de deuses e sobretudo mitos antigos de idade incerta.

No panteão de Ugarit destacam-se: El, Baal, Athirat, Anat e outros. Entre estes outros deuses de Ugarit, há o Ars wa-Shamem (Terra-e-Céu), um deus e uma deusa lunares, algumas filhas de deuses: a estrela da manha e a estrela da noite (Vênus), Kothar o ferreiro, Rashap o malvado e outros deuses de importação. Os antepassados, em particular aqueles que pertencem a uma linhagem real, eram deificados e tornados objetos de um culto, paralelamente a toda uma assembleia de divindades inferiores sem nomes individuais.

A mitologia ugarítica está completamente impregnada de lutas pelo poder, entre El e Baal e entre este e seus adversários. Entre estes conflitos, um dos mais conhecidos é o existente entre Baal e a divindade aquática Yamm, representada ora como um ser humano ora como um monstro marinho. Encorajado pelo seu pai El, Yamm prepara-se para destronar Baal, mas este, com a ajuda das armas mágicas fabricadas por Kothar, o ferreiro divino, acabará por ganhar o duelo. O combate lembra evidentemente a derrota do monstro marinho Tiamat vencido pelo deus mesopotâmico Marduk, segundo a quarta tabuinha da Gênese babilônica Enuma Elish, assim como a vitória de IHWH sobre o mar em certos Salmos e em Jó 26, 12-13.

Quando a deusa Anat mostra a sua força no combate, Baal convida-a à paz e, como em Enuma Elish, toma conhecimento do desejo de lhe erguer um templo para que ele seja adorado. Anat obtém autorização de El e um grande templo é construído para Baal.

Um outro combate opõe Baal a Mot, a Morte, um outro rival que descende de El. No esquema da natureza, o reino de Baal é associado à fertilidade e à abundância, enquanto o reino da morte significa seca e fome. Após terem sido trocados os mensageiros que visitam Mot no seu abrigo de lama e lixo, Baal aceita render-se no mundo inferior, envolto pelo seu cortejo de chuva, vento e nuvens. Uma lacuna interrompe o seguimento da história. Quando ele é retomado, Baal está morto, causando assim a tristeza de El e Anat, dado que nenhum filho de El é capaz de subir ao trono. Após ter enterrado Baal, Anat encontra Mot e redu-lo literalmente a poeira: ela retalha-o, criva-o, queima-o e tritura-o, e depois semeia-o nos campos para que ele seja comido pelos pássaros. A relação entre estes episódios é obscura, mas é após o esquartejamento de Mot que El sonha que Baal e a prosperidade voltarão ao país, o que acontece efetivamente. Por sua vez, Mot não está eliminado; mas sete anos mais tarde Baal alcançará uma vitória decisiva sobre ele, que lhe restituirá a realeza para toda a eternidade.

Os textos de Ugarit contêm também as histórias de Kirta e de Aqhat. Ambas começam com o episódio de um rei justo afligido pela esterilidade, um tema retomado pelo Antigo Testamento. Os deuses põem fim à sua tristeza, mas misturam-se daí em diante com o destino dos humanos. Anat decide a morte de Aqhat, o filho desejado, quando este o insulta e lhe recusa o seu arco mágico. Kirta obtém uma esposa num combate, mas esquece a promessa a Asherah e cai doente. Mais tarde, um dos seus filhos acusa-lo-á de injustiça no governo do seu reino.

Apesar das lacunas dos textos, esta literatura possibilita-nos um olhar sobre o mundo histórico, mitológico e religioso que os israelitas virão ocupar e do qual transmitirão o reflexo à cultura ocidental. (Eliade)

Mircea Eliade