A noção do vivente e sua distinção do não-vivente são do domínio comum. Todos têm uma certa ideia destas coisas. Sobre que fundam-se, pois, estas concepções espontâneas?
Sendo velada ao nosso olhar a natureza dos seres que nos rodeiam, é, praticamente, a partir de suas atividades que podemos julgá-la. Considerando a atividade dos viventes e confrontando-a com a dos não-viventes, teremos já oportunidade de esclarecer a noção que nos preocupa. Já Aristóteles procedia deste modo: “Dos corpos naturais, uns têm a vida e outros não têm, e por vida entendemos o fato de se nutrir, crescer e perecer por si mesmo” (De Anima, II, c. 1, 472 a. 13). Comentando esta passagem, nota Tomás de Aquino que o Filósofo não cogitou definir aqui a vida de maneira completamente formal, mas caracterizá-la por algumas de suas operações típicas e acrescenta que ainda outros exemplos de atividade poderiam ter sido dados, ao menos aqueles que dizem respeito aos viventes mais elevados a saber, os de vida sensitiva e de vida intelectiva. Portanto, nutrir-se, crescer, perecer, sentir, pensar e, poder-se-ia acrescentar, mover-se localmente ou gerar, são tantas operações que se reconhecerá nos viventes, e que, inversamente, se negará às coisas inanimadas.
Um outro aspecto permite ainda distinguir o vivente: diz-se que, ao contrário das coisas puramente materiais, ele é um ser organizado, isto é, composto de partes heterogêneas ordenadas entre si. Um vegetal, por exemplo, compreenderá raízes, haste, ramos e folhas, cuja estrutura diversificada permite a um conjunto harmonioso de funções exercer a sua atividade em vista da perfeição do ser total. As partes de um corpo mineral simples, pelo contrário, são todas homogêneas, ao menos quanto nos é permitido observar em nossa escala. Mas, em definitivo, este segundo caráter dos viventes liga-se ao precedente que é o mais fundamental.
Em que precisamente distingue-se a atividade do vivente da atividade do não-vivente? A mais rudimentar observação testemunha que o vivente tem, como coisa própria, uma interioridade ou uma espontaneidade que não são encontradas alhures: é por sua iniciativa que o animal se desloca, nutre-se ou se reproduz, enquanto a pedra parece receber seus impulsos só do exterior. Este fato é expresso nestes termos: o vivente tem por caráter distintivo mover-se por si mesmo, ao contrário dos não viventes que têm, por sua natureza, o serem movidos por outros. Os termos movimento e movido são aqui tomados em sua acepção mais geral, envolvendo todas as espécies de mudanças. Tal é a definição consagrada no peripatetismo:
“Propria autem ratio vitae est ex hoc quod aliquid est natum movere seipsum, large accipiendo motum, prout etiam intellectualis operatio motus quidam dicitur. Ea enim sine vita dicimus quae ab exteriori tantum principio moveri possunt” De Anima, II, 1. 1 S. Th. Ia Pa q. 18 a 1
O vivente é, pois, um ser que se move a si mesmo. O que se quer justamente exprimir com isso? Numa primeira consideração, a espontaneidade, ou este impulso vindo do interior mesmo, que parece caracterizar a atividade vital. O vivente tem em si o princípio eficiente de sua atividade. Tal observação é exata. Mas não se deve deduzir daí que no não-vivente o movimento não procede de modo algum do interior e que, inversamente, no caso do vivente, a atividade não tem condições exteriores. Em virtude de sua forma pode também o não-vivente ser chamado como certo princípio de atividade, mas ele somente transmite, de certo modo mecanicamente, o impulso ou a determinação que tenha recebido. O vivente por sua vez, que também depende, de muitos modos, do meio que o cerca, reage de maneira original, transformando segundo sua própria iniciativa o que recebe de fora, e isto de maneira cada vez mais pessoal à medida que suas atividades são mais elevadas. No nível simplesmente fisiológico, esta reação própria do vivente recebeu um nome, o de irritabilidade; assim dir-se-á que a irritabilidade é, neste nível, característica da vida.
Contudo, “mover-se a si mesmo” tem ainda um outro significado mais fundamental: isto é, que o ser vivo toma-se a si mesmo como objeto ou como termo de sua atividade; os viventes são fins para si mesmos. Enquanto os corpos materiais, em suas atividades, parecem ordenados somente às coisas exteriores que transformam, agem os viventes, por sua vez, para seu proveito próprio, procurando ao mesmo tempo sustentar-se no ser e adquirir seu pleno desenvolvimento. Deste modo sua atividade permanece, de certa maneira, neles, ou é imanente. Esta qualidade admite, aliás, graus múltiplos, indo da interioridade ainda bastante relativa dos vegetais à posse absolutamente perfeita de si que só se realiza em Deus. (Gardeil)