Também dizia Brancusi: «Não procurei durante toda minha vida outra coisa que a essência do voo… O voo, que felicidade!». Não tinha necessidade de ler os livros para saber que o voo é um equivalente da felicidade, já que simboliza a ascensão, a transcendência, a superação da condição humana. O voo proclama que a pesantez fica abolida, que se produziu uma mutação ontológica no mesmo ser humano. Os mitos, contos e lendas relativos aos heróis ou aos magos que se movem livremente entre a terra e o céu se acham universalmente difundidos. Com as imagens da ave, as asas e o voo se relacionam numerosos símbolos alusivos à vida espiritual sobretudo às experiências enlevadas e aos poderes da inteligência. O simbolismo do voo traduz uma ruptura levada a cabo no universo da experiência cotidiana. É evidente a dupla intencionalidade desta ruptura: trata-se ao mesmo tempo da transcendência e da liberdade que se conseguem mediante o «voo».
O certo é, entretanto, que se chegou a demonstrar que nos níveis distintos, mas relacionados entre si, do sonho, da imaginação ativa, da criação mitológica e do folclore, dos ritos, da especulação metafísica e da experiência enlevada, o simbolismo da ascensão significa sempre a ruptura, de uma situação «petrificada», «bloqueada», a ruptura de níveis que faz possível o trânsito para outro modo de ser, a liberdade, em resumidas contas, de mover-se, quer dizer, mudar de situação, de abolir um sistema de condicionamentos. É significativo que Brancusi se sentisse obcecado durante toda sua vida pelo que ele chamava a «essência do voo». Mas, é extraordinário o fato de que conseguisse expressar o arranque ascensional utilizando o arquétipo mesmo da pesantez, a «matéria» por excelência, a pedra. Poderia quase dizer-se que operou uma transmutação da «matéria», mais exatamente que levou a cabo uma coincidentia oppositorum, pois no mesmo objeto coincidem a «matéria» e o «voo», a pesantez e sua negação. [Mircea Eliade]