(Abellio, Serant1955)
Tal definição1 permanece evidentemente insuficiente: a ciência humana também conhece suas sombras e ela não passa de humana. Mas será que verdadeiramente as conhece? Não é por acaso que a tradição distingue dois tipos de trevas: às trevas interiores correspondem as trevas exteriores. Nada mais essencial que esta oposição que expulsa toda simetria da famosa invocação pela qual o Abismo chama o Abismo. O esoterismo só parecerá supersticioso, confuso ou supérfluo àqueles que não separam os dois abismos e não tentam explorar a transcendência que torna a vacuidade de um irrealizável pela plenitude do outro.
Estabeleçamos aqui alguns marcos. Não é o esoterismo, é a ciência positiva que se preocupa em dissipar as trevas exteriores. Chamamos trevas exteriores o que esta ciência denomina, no sentido cartesiano, mundo “exterior” ou “objetivo”. É o ser-em-si dos ontologistas modernos, a opacidade que as “coisas” ou os “outros” opõem à nossa consciência. Para explorar este mundo, a ciência positiva propõe leis que não passam de conexões utilitárias, efetivamente utilizáveis por todos como ferramentas mais ou menos grosseiras, que ela aprimora e aperfeiçoa sem cessar. Evidentemente, esta ciência evita colocar a questão prévia de saber se estas leis ou estruturas que utiliza são produto de uma invenção antes que de uma descoberta, ou seja, se preexistem no mundo ou se, ao contrário, o mundo só é estruturado na medida em que nosso espírito projeta sobre ele suas próprias linhas de força. Para a ciência positiva, este debate é de ordem metafísica, não pertence a uma ciência mas a uma metaciencia. Ao estruturar este mundo que pressupõe portanto objetivo e que não passa de uma modalidade do mundo, as leis introduzem nele certa transparência, certa luz. São, de nós para o mundo e do mundo para nós, as vias de comunicação que julgamos mais seguras. Sem invenção de leis não haveria comunicação “segura” no mundo. A lei é antes de tudo um vínculo, um vínculo social. Sem leis, não haveria sequer linguagem: a ciência é antes de tudo modo comum de falar. A linguagem é feita de juízos, e todo juízo é expressão de uma lei. E, de fato, é da essência da ciência reduzir o mundo ao geral e ao repetitivo, valer para todos e não para um, abstrair no mundo o quantitativo “puro” cujas combinações encontram a compreensão e a adesão unânimes de todos os seres dotados de “razão”.
No entanto, é essencial constatar (e aliás evidente) que o repetitivo ou o quantitativo no estado puro não existem no mundo, nem mesmo no modo objetivado do mundo ao qual a ciência limita sua visão. O quantitativo e o repetitivo puros são abstrações. Sejam objetos reputados inorgânicos ou seres ditos vivos, dois existentes que a aritmética diz adicionáveis, permutáveis, idênticos, só o são do ponto de vista redutor da aritmética. Já ocupam no espaço lugares diferentes, e sua identidade só poderia a rigor ser admitida postulando para este espaço uma homogeneidade de que a própria ciência moderna não se contenta. Quanto ao seu destino no tempo, é, para cada um, único e insubstituível. Não há lei que, aliás, com o tempo, não se revele insuficiente e à qual não se devam trazer correções marginais cujo fundamento abala a base da antiga lei. Quando estabelece relações de “igualdade” entre os “objetos” da ciência, o princípio de identidade que lhe serve de base revela seu sentido: é de pura convenção social. É simples meio de contar, falar, reduzir os seres à categoria de coisas e ferramentas para poder manuseá-los de modo “comum”, mas não permite penetrar sua natureza particular. Aceita a multiplicidade dos existentes como fato, mas se contenta em reduzir artificialmente este fato, não interroga o enigma fundamental que é esta própria multiplicidade. No entanto, cada ser nasce sob um céu, sob uma disposição de astros e estrelas que só a ele pertencem. E como, para a própria ciência, tudo se move e tudo se torna perpetuamente, jamais, no passado, estas constelações ocorreram, jamais tampouco, no futuro, se reproduzirão. Todo fenômeno é uma aparição única, específica, irrepetível, é tecido numa trama de universo ainda mais fugidia que a lembrança que dele se guarda. Foi preciso que Nietzsche, prisioneiro da filosofia cientista de seu tempo, objetivasse ingenuamente os átomos e lhes atribuísse existência concreta e que, desde então, acreditasse seu número finito, e finito também o número de suas combinações sucessivas, para que imaginasse no infinito do tempo um Eterno Retorno. Podia consolar-se com esta visão, ou aterrorizar-se. Por ela, a pretensão de ligar o mundo exterior só provava, afinal, a própria alienação da ciência.
Se consideramos portanto como ciência positiva todo corpo de conhecimento constituído em código de coesão e comunicação sociais e fundado por isso numa técnica de redução utilitária e repetitiva, seremos levados a incluir no campo da ciência não apenas a matemática, a física e a biologia, mas também a psicanálise freudiana (enquanto ferramenta de readaptação social), a psicologia das profundezas de Jung (que considera os “arquétipos” como formas vazias e a priori, cristalizações objetivantes), a parapsicologia de base estatística (que busca experimentar repetitivamente fenômenos provisoriamente considerados paranormais) e mesmo toda forma instrumental, linear ou tipológica da astrologia. A aproximação de disciplinas tão distantes parecerá sem dúvida forçada a alguns. Será mesmo considerada absurda pelos acadêmicos atrasados que ainda creem existirem matemática e física “puramente” objetivas e recusam esta mesma “objetividade” aos arquétipos junguianos, às conexões telepáticas evidenciadas pelas experiências de Rhine ou às estruturas astrológicas. Esta incompreensão é fatal. Que nossa classificação seja conforme à natureza profunda das coisas pertence a uma ordem de verdade que a própria ciência não reconhece. Mas também não será admitida por Jung que, com toda a psicologia moderna – (aliás renovada e superada pela fenomenologia transcendental) – embora estabeleça, em toda situação, uma relação de interdependência entre sujeito e objeto, ainda considera este sujeito como psicológico e não transcendental, deixando-o na “natureza” e no “mundo” onde não escapa à redução objetivante.
Abre-se então o domínio de outra luz, a do esoterismo. Mas já toda a articulação deste ensaio dele procede. Desde que afirmamos que o repetitivo ou quantitativo “puros” são apenas abstrações, conveniências ligadas à visão de um modo banal do mundo, estamos em pleno esoterismo, pois esta afirmação implica existir um modo não banal. Igualmente quando admitimos que a distinção habitual entre “inorgânico” e “vivo” resulta apenas de uma percepção grosseira e de certo modo infantil do “real”. O que é então o esoterismo? É o estudo e experimentação das trevas interiores. Por que estas trevas interiores se apresentam como transcendentais, irredutíveis às trevas exteriores, embora sejam a condensação luminosa e paroxística destas? É porque não procedem da dualidade do “mundo” e da consciência, relação toda externa, mas de uma correlação, relação interna, entre este mesmo mundo e outra consciência na qual este mundo está encerrado e mesmo produzido, não apenas figurado mas transfigurado, e que não é mais a consciência ordinária, simplesmente perceptora das coisas e dos outros, mas a consciência ademais perceptora de si, a consciência da consciência. Este genitivo encerra todo o segredo do esoterismo. É preciso considerá-lo em sua função genética imediata: por ele outra consciência é gerada. Daí o sentido profundo do que se chama iniciação. A iniciação é o despertar da consciência para sua própria consciência de si transcendental. É interiorização das trevas e transmutação radical destas ao mesmo tempo que do ser inteiro. É recriação do mundo pela consciência e nela. Não tardaremos a ver que esta definição é singularmente restritiva e desqualifica os “esoteristas” de mera erudição que fazem da ciência supostamente secreta o campo de um divertimento e não de uma experiência vital. Tentemos antes compreender, ao menos por evocação, o que é a consciência transcendental.
O esoterismo ocupa-se da transfiguração da sombra. ↩