macrocosmo

COSMOLOGIA — MACROCOSMO

VIDE: MICROCOSMO

A noção, que significa literalmente “grande mundo” implica a ideia que o mundo é um ser vivo, pelo menos organizado (Platão, Timeu 30b. Aristóteles, Do Céu II, 12) e que esta organização é análoga àquela do animal: “Se isso é possível no animal, o que impede que a mesma coisa aconteça também por toda parte? Posto que isso se produz no microcosmo, assim como no macrocosmo” (Aristóteles, Física, VIII, 2). Pode-se inversamente inferir do cosmo ao animal, ou ao homem: “Se o Homem é um microcosmo, é preciso que seja dirigido e esclarecido por tantas luzes (…) como percebemos de luminárias evoluindo em coro ao redor do macrocosmo (…). Ora a Natureza tem no macrocosmo aceso sete luminárias (…) Natureza concedeu portanto ao homem sete luminárias, nem uma a menos, na mesma ordem (…)” (Ch. de Bovelles, Du Sage, XI, 1509). (Notions philosophiques)


O macrocosmo é o mundo enquanto organismo análogo ao homem, totalidade una cujas partes estão em correspondência.

“A Natureza compreendendo o Universo é una, e sua origem só pode ser a eterna Unidade. É um vasto organismo no qual as coisas naturais se harmonizam e se simpatizam reciprocamente. Tal é o macrocosmo, toda coisa é o produto de um esforço da criação universal única. O macrocosmo e o microcosmo nada mais são que um”. (Paracelso, Philosophia ad Athenienses) (Pierre Riffard)


René Guénon: SPIRITUS ANIMA CORPUS

Essa distinção entre espírito, alma e corpo foi aplicada ao “macrocosmos” tanto quanto ao “microcosmos”, sendo a constituição de um análoga à do outro, de modo que se deve necessariamente reencontrar elementos que se correspondem rigorosamente dos dois lados opostos. Essa consideração, entre os gregos, parece se ligar sobretudo à doutrina cosmológica dos pitagóricos, que, ademais, só “readaptava” ensinamentos muito mais antigos. Platão inspirou-se nessa doutrina e a seguiu muito mais de perto do que se crê de ordinário, e foi em parte por seu intermédio que algo dela se transmitiu a filósofos posteriores, como, por exemplo, os estoicos, cujo ponto de vista muito mais exotérico, de resto, mutilou e deformou, com muita frequência, as concepções mencionadas. Os pitagóricos consideravam um quaternário fundamental, que compreendia, em primeiro lugar, o Princípio, transcendente em relação ao Cosmos, depois o Espírito e a Alma universais, e, finalmente, a Hylê primordial1. Importa notar que esta última, como pura potencialidade, não pode ser assemelhada ao corpo, e corresponde antes à “Terra” da Grande Tríade do que à do Tribhuvana, enquanto que o Espírito e a Alma universais lembram, de modo manifesto, os dois outros termos desse último. Quanto ao Princípio transcendente, corresponde em certos aspectos ao “Céu” da Grande Tríade, mas, por outro lado, identifica-se também ao Ser ou à Unidade metafísica, isto é, a Tai-ki. Parece faltar aqui uma distinção clara, que, aliás, talvez não fosse exigida pelo ponto de vista, muito menos metafísico do que cosmológico, do qual se estabeleceu o quaternário em questão. Seja como for, os estoicos deformaram esse ensinamento num sentido “naturalista”, perdendo de vista o Princípio transcendente e considerando apenas um “Deus” imanente que, para eles, se assemelhava pura e simplesmente ao Spiritus Mundi; não dizemos à Anima Mundi, contrariamente ao que parecem crer alguns de seus intérpretes afetados pela confusão moderna entre espírito e alma, pois, na realidade, para eles como também para os que seguiam mais fielmente a doutrina tradicional, essa Anima Mundi sempre teve apenas papel simplesmente “demiúrgico”, no sentido mais estrito dessa palavra, na elaboração do Cosmos a partir da Hylê primordial.

Acabamos de dizer a elaboração do Cosmos, mas talvez fosse mais exato dizer aqui a formação do Corpus Mundi, primeiro porque a função “demiúrgica” é, de fato, precisamente uma função “formadora”2, e depois porque, num certo sentido, o Espírito e a Alma universais fazem também parte do Cosmos; num certo sentido, pois, na verdade, podem ser considerados sob um duplo ponto de vista, que corresponde ainda, de certo modo, ao que chamamos anteriormente o ponto de vista “genético” e o ponto de vista “estático”, quer como “princípios” (num sentido relativo), quer como “elementos” constitutivos do ser “macrocósmico”. Isso provém de que, desde que se trata do domínio da Existência manifestada, estamos aquém da distinção entre Essência e Substância; do lado “essencial”, o Espírito e a Alma são, em níveis diferentes, como “reflexões” do próprio Princípio da manifestação; do lado “substancial”, surgem, ao contrário, como “produções” tiradas da materia prima, embora determinando eles mesmos suas produções posteriores no sentido descendente3, e isso porque, para situar-se de fato no manifestado, é necessário que eles próprios se tornem parte integrante da manifestação universal. A relação entre esses dois pontos de vista é representada simbolicamente pelo complementarismo do raio luminoso e do plano de reflexão, que são ambos necessários para que uma imagem se produza, de modo que, por um lado, a imagem é verdadeiramente um reflexo da própria fonte luminosa, e, por outro, ela se situa no grau de realidade que é indicado pelo plano de reflexão4. Para empregar a linguagem da tradição extremo-oriental, o raio luminoso corresponde aqui às influências celestes e o plano de reflexão às influências terrestres, o que coincide justamente com a consideração do aspecto “essencial” e do aspecto “substancial” da manifestação5.

  1. Cf. o início dos Rasâil Ikhwân Eç-Çafá, que contém uma exposição muito clara dessa doutrina pitagórica.[]
  2. É importante notar que dizemos “formadora” e não “criadora”. Essa distinção adquirirá seu sentido mais preciso, se considerarmos que os quatro termos do quaternário pitagórico podem ser postos respectivamente em correspondência com os “quatro mundos” da Cabala hebraica.[]
  3. Lembremos a esse respeito que, segundo a doutrina hindu, Buddhi, que é o Intelecto puro e, como tal, corresponde ao Spiritus e à manifestação informal, é também a primeira das produções de Prakriti, ao mesmo tempo que é também, por outro lado, o primeiro grau da manifestação de Atma ou Princípio transcendente (ver L’HOMME ET SON DEVENIR SELON LE VÊDÂNTA, cap. VII).[]
  4. Ver Le Symbolisme de la Croix, cap. XXIV.[]
  5. O raio luminoso e o plano de reflexão correspondem exatamente à linha vertical e à linha horizontal usadas para simbolizar, respectivamente, o Céu e a Terra (ver a fig. 7). []