O homem é livre?

DOSTOIEVSKI, Fiodor. Os Irmãos Karamázov. Tr. Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2012

[…] Vede entre os leigos, e em todo o mundo que se coloca acima do povo de Deus, se ali não foi deformada a imagem de Deus e a Sua verdade. Eles têm a ciência, e na ciência só aquilo que está sujeito aos sentidos. Já o mundo do espírito, a metade superior do ser humano, foi rejeitada inteiramente, expulsa com certo triunfo, até com ódio. O mundo proclamou a liberdade, sobretudo ultimamente, e eis o que vemos dessa liberdade deles: só escravidão e suicídio! Porque o mundo diz: “Tens necessidades e por isso satisfaze-as, porque tens os mesmos direitos que os homens mais ilustres e ricos. Não temas satisfazê-las e até procura multiplicá-las” — eis a atual doutrina do mundo. É nisso que veem a liberdade. E o que resulta desse direito à multiplicação das necessidades? Para os ricos o isolamento e o suicídio espiritual, para os pobres, a inveja e o assassinato, porquanto esses direitos foram concedidos mas ainda não se indicaram os meios de satisfazer as necessidades. Asseguram que, quanto mais o tempo passar, mais o mundo irá unir-se, irá constituir-se num convívio fraterno porque isso reduz as distâncias, transmite as ideias pelo ar. Ai, não credes nessa união dos homens. Compreendendo a liberdade como a multiplicação e o rápido saciamento das necessidades, deformam sua natureza porque geram dentro de si muitos desejos absurdos e tolos, os hábitos e as invenções mais disparatadas. Vivem apenas para invejar uns aos outros, para a luxúria, a soberba. Dar jantares, viajar, possuir carruagens, posição social e criados escravos eles já consideram uma necessidade, e para saciá-la sacrificam até a vida, a honra, o amor ao homem, e até se matam se não conseguem saciá-la. Vemos a mesma coisa naqueles que não são ricos, e entre os pobres o não saciamento das necessidades e a inveja ainda são abafados pela bebedeira. Em breve, em vez do vinho haverão de embebedar-se com sangue, para isto estão sendo conduzidos. Eu vos pergunto: esse homem é livre? Conheci um “combatente pela ideia”, que ME contou pessoalmente que, quando foi privado de tabaco na prisão, sentiu-se tão aflito com essa privação que por pouco não traiu “sua ideia”, contanto que lhe dessem tabaco. No entanto, ele afirmava: “Vou lutar pela humanidade”. Ora, para onde irá um tipo assim e do que ele é capaz? Talvez de um ato rápido, porque não resistirá por muito tempo. E não é de admirar que em vez da liberdade tenham afundado na escravidão, e em vez de servir ao amor fraterno e à união dos homens afundaram, ao contrário, na desunião e no isolamento, como ME disse em minha mocidade o meu visitante misterioso e mestre. É por isso que no mundo vem-se extinguindo cada vez mais a ideia de servir à humanidade, a ideia da fraternidade e da integridade dos homens, pois, em verdade, essa ideia já está sendo recebida até com zombaria; porque, como esse escravo se afastaria de seus hábitos, para onde iria se está tão acostumado a saciar as infinitas necessidades que ele mesmo inventou? Ele está isolado e pouco se importa com o todo. Eles chegaram a um ponto em que acumularam objetos demais, porém ficaram com alegria de menos.

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