(Deghaye2000)
Assim, quando Goethe fala da luz irradiada pelas obras-primas, ele imita uma tradição religiosa. No entanto, os trovões e relâmpagos que acompanham o nascimento de Cristo exigem uma reflexão. Certamente, pode-se simplesmente dizer que houve uma tempestade, o que é verdadeiro, pois Goethe o especifica. Mas essa tempestade não teria um sentido simbólico?
O leitor desavisado pode pensar que essa anotação de Goethe não combina com a tradição religiosa. De fato, o nascimento de Cristo é um símbolo de alegria e, aqui, nos é apresentado em uma atmosfera de cólera. Ora, Zinzendorf, fundador de Hermhut, cuja espiritualidade encontra muitos ecos na obra de Goethe, fala do temor causado pela Divindade ao sair de seu abismo sem fundo e tomar a forma humana, prefigurando a descida de Cristo ao corpo de escravo. É perfeitamente possível que Goethe tenha se lembrado dessa concepção e que a tempestade tenha ativado uma reminiscência. Seja como for, o nascimento de Cristo, que faz de Deus um homem como nós, e a revelação da forma humana pelas obras-primas da arte grega, estão associados sob o signo do que Rudolf Otto chama de mysterium tremendum.
O temor causado pela aproximação do mistério é expresso em outros momentos na obra de Goethe. Falando dessa essência inteligível que nos é ocultada pela densidade das realidades empíricas e que se situa no limite extremo do nosso conhecimento — ou seja, do que ele chama de fenômeno primordial, Urphänomen —, Goethe insiste na angústia que sentimos quando se apresenta despido de todas as ilusões da matéria sensível. Nesse ponto, sentimos nossa fraqueza, como diz um aforismo de 1823. Utilizamos “fraqueza” para traduzir Unzulänglichkeit, que seria traduzido por “incompletude” se esse termo não pertencesse ao vocabulário da psicopatologia. O que o homem sente ao atingir esse nível de conhecimento, que é ao mesmo tempo um limite intransponível e um ápice adjacente ao incognoscível, é sua pequenez. A contemplação do inteligível, na face visível do mistério, o exalta, mas também lhe causa o sentimento angustiante de sua finitude. Isso é o que Goethe experimenta em Roma, na manhã de 11 de abril de 1788, quando vê reunidas na Academia de França as reproduções das mais belas estátuas da Antiguidade. Ele está prestes a deixar Roma, e o que escreve na carta desse mesmo dia é a quintessência de sua experiência romana. Traduzimos: “Como expressar o que senti aqui, como uma despedida? Diante de tais obras, torna-se mais do que se é; sente-se que o objeto mais digno de ocupar nosso pensamento é a figura humana, que aqui se apresenta ao olhar com toda sua esplêndida diversidade. Mas ao contemplá-la, quem não sentiria sua fraqueza? Mesmo quando se está preparado, sente-se como aniquilado. Certamente, ME esforcei para esclarecer em minha mente tudo o que toca às proporções, à anatomia, à regularidade dos movimentos, mas aqui, o que ME impressionou profundamente foi que, em última análise, a forma engloba tudo: a finalidade dos membros, a proporção, o caráter e a beleza.”
Mais uma vez traduzimos “fraqueza” para o que o alemão expressa por Unzulänglichkeit, e aqui pelo adjetivo unzulänglich. Nesse contexto, a palavra pode ser tomada em seu sentido literal. Goethe sente o peso esmagador de sua insuficiência, de sua imperfeição no plano do conhecimento e das habilidades. Essa imperfeição, porém, não é imputável à falta de preparação, pois, mesmo estando preparado, como diz o texto, seríamos aniquilados. O que se destaca aqui é o sentimento de impotência diante de uma forma que se torna um absoluto, porque engloba a totalidade do mistério humano. Não se trata mais de um aprendizado da forma dentro dos limites de uma ou outra disciplina, mas da compreensão daquilo que aparece como a quintessência do fenômeno humano e, por extensão, de toda revelação. Estamos na última fronteira do conhecimento humano, definida pelo termo Urphänomen. É um limiar que o homem não pode transpor, mas ao alcançá-lo, ele experimenta uma angústia que deve ser qualificada como metafísica, semelhante ao temor provocado pelo sagrado, o numinoso, na experiência religiosa. Fausto, ao se lançar nas trevas do reino materno para buscar a luz, conhecerá toda a dimensão desse temor que toma o homem na aproximação do mistério.